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terça-feira, novembro 07, 2006

MST: Não aconteceu nada

«1. Passou mais de uma semana desde que Katsouranis partiu a perna a Anderson e lhe provocou uma ruptura de ligamentos do pé. Sim, já sei, vão dizer que foi sem querer, que entrou à bola, etc e tal. Que fosse: o facto é que, com dolo, com negligência ou sem culpa, partiu-lhe a perna e rompeu-lhe os ligamentos. Ou há dúvidas sobre isso?

Passou-se uma semana... e nada se passou. O Conselho de Disciplina da Liga (outrora tão rápido a suspender preventivamente jogadores do FC Porto, através dos célebres sumaríssimos), entendeu que o assunto não merecia sequer a abertura de um processo de inquérito ao jogador do Benfica— muito menos a sua suspensão preventiva, a sua condenação a alguns jogos de suspensão ou, no limite e como alguns espíritos ingénuos poderiam imaginar, a suspensão do jogador benfiquista até que o portista estivesse de volta ao campeonato — que, sem ele, ficou infinitamente mais pobre. Nem Katsouranis foi minimamente incomodado por aquela entrada, pelos vistos, banal, nem o impávido Lucílio Baptista viu a sua complacência questionada pelo Conselho de Arbitragem. Não fosse o pobre do Anderson ter sido operado, estar agora a sofrer com dores e ter pela frente apenas a perspectiva de um longo, incerto e doloroso processo de recuperação fisioterapêutico, e dir-se-ia que, de facto, nada se passou no Dragão, ao fatídico minuto 23 do jogo da semana passada. Lucílio Baptista foi renomeado para um jogo desta semana e Katsouranis tem até sido o jogador mais decisivo do Benfica: marcou o primeiro golo no Dragão, quando poderia estar já expulso, e marcou contra o Beira-Mar, quando poderia estar suspenso. Pelo contrário, se alguém ainda, dez dias depois, regressa ao assunto, é para dizer, muito a propósito, que já basta de falar nele. Mas quando um jogador do Beira-Mar tem uma entrada dura, mas infinitamente mais suave que a do Katsouranis, sobre o Miguelito, o público da Luz e os comentadores reclamam em uníssono a sua expulsão. Assim se vê a força do Benfica!

O que não iria por aí agora se, em lugar do Anderson, tem sido o Simão a sair do Dragão com uma perna partida e uma ruptura de ligamentos, depois de um corte «perfeitamente normal» de um jogador portista!

E se tivesse sido o terceiro jogador do Benfica a sair arrumado, no mínimo para um mês, após menos de meia hora de jogo contra o Porto, em três dos últimos quatro derbies?!

Entretanto, achei deliciosas as explicações avançadas pelos simpatizantes benfiquistas para justificarem a limpeza com que o melhor jogador do campeonato foi despachado para o hospital e para o estaleiro. Para além da entrada «perfeitamente normal e legal» do Katsouranis, houve dois outros argumentos invocados, qual deles o mais extraordinário. O primeiro, sustentava que o Anderson já tinha entrado em campo lesionado, pressupondo, portanto, que o Katsouranis não teve nada a ver com o assunto: foi o departamento médico do FC Porto que, por sugestão maquiavélica de Pinto da Costa, tinha mandado o miúdo para o campo com uma perna partida e uma ruptura de ligamentos... e ele foi! O segundo, aliás também veiculado no site oficial do Benfica, dizia que o Anderson havia regressado ao jogo após a entrada do Katsouranis (de facto, regressou, durante trinta segundos e a pé coxinho...) e que, no final, até havia festejado em campo a vitória. Logo... Logo, das duas uma: ou foi a tentativa de regresso e os festejos que lhe causaram fractura do perónio e ruptura de ligamentos, ou ele, realmente, não tinha nenhuma dessas lesões e foi operado, engessado e retirado dos relvados durante largos meses apenas para que o FC Porto se pudesse queixar da dureza do Benfica. Isto ouvi eu da boca de pessoas que tenho como inteligentes e intelectualmente honestas. Caramba, o que o futebol nos faz! Custa assim tanto reconhecer que o futebol não pode consentir jogadas daquelas, sob pena de se resumir a um jogo onde o talento tem de pagar tributo no hospital?

2. Com a mesma facilidade e o mesmo resultado, os três grandes da Liga dos Campeões desembaraçaram-se dos seus adversários domésticos, não acusando o cansaço que outras equipas da Champions acusaram neste fim-de-semana.

Domingo, na Luz, o Benfica fez uma boa e convincente exibição contra o Beira-Mar — além do mais, levantando uma questão que já aqui me coloquei: como se justifica que uma equipa que, ao fim de dez jornadas de campeonato, já tem mais seis jogos oficiais disputados que o seu adversário e que, a meio da semana teve um compromisso europeu de grande grau de exigência, apresente uma condição física infinitamente melhor que a outra? É que, se a qualidade técnica de uma equipe depende do talento dos seus jogadores e este depende da capacidade financeira do clube, já a preparação física, a mim, parece-me depender apenas do trabalho feito durante a semana. E aí não há diferenças justificáveis entre «grandes» e «pequenos».

Mas, além do mais, porque o jogo já estava ganho e a exibição tinha sido bem aceitável, pior se compreendem os assobios que o público da Luz reservou à entrada em campo de Mário Jardel. Será porque ele foi um extraordinário avançado que para sempre ficará ligado à história dos nossos campeonatos? Porque, depois de vários trambolhões na vida, tenta, com todo o brio e dignidade, regressar, aos 34 anos, ao jogo que o imortalizou? Ou será porque jogou nos rivais, Porto e Sporting e não jogou no Benfica? Mas, se é por isso, o público da Luz faria bem em lembrar-se que, se ele não jogou no Benfica, é porque Manuel Vilarinho — que ganhou as eleições a Vale e Azevedo acenando com um contrato assinado com Jardel — posteriormente não honrou o contrato, nem perante o Benfica, nem perante o próprio Jardel.

Em Alvalade, frente a um Braga que, não consigo perceber porquê, alguém inventou também como candidato ao título, o Sporting obteve mais uma vitória sem grande esforço nem talento. Não só o Braga se encarregou de entregar logo o jogo, em autogolos, antes mesmo de o Sporting ter feito um remate, como, no resto do tempo, a equipa de Carlos Carvalhal exibiu um futebol indigente.

Em Setúbal, finalmente, o FC Porto tratou de ganhar rápida e esclarecedoramente e o único verdadeiro obstáculo que enfrentou foi mais um árbitro complacente com entradas de arrepiar ás pernas dos jogadores azuis e brancos. E aí vão três vitórias consecutivas sem Anderson e o fim de um ciclo terrível ultrapassado com distinção. É um FC Porto a subir de forma e de convicção, com um ressuscitado Postiga, um Quaresma regressado aos grandes dias e um Lucho, enfim, a aproximar-se do que vale. E um treinador «normal», que não complica nem inventa. Este é, uma vez mais, o grande candidato ao título.

3. Depois de ter dado ao Benfica 15 milhões de euros, em troca da utilização do ridículo nome de Caixa Futebol Campus para o centro de estágios do Seixal (nome que, obviamente, ninguém utiliza), a Caixa Geral de Depósitos é agora suspeita de ter dado idêntica quantia pela utilização dos direitos de imagem do seleccionador nacional, Luiz Felipe Scolari. Parece que, lá pela Caixa, estarão muito contentinhos por terem vencido a «concorrência» e terem obtido o exclusivo da imagem do seleccionador. Mas eu temo que seja outro exemplo de investimento sem retorno publicitário adequado: é que, à força de emprestar a sua imagem para tudo e mais alguma coisa, os anúncios com Luiz Felipe Scolari já não conseguem interessar ninguém, apenas incomodar ou irritar as pessoas. Mas, enfim, cada um sabe de si e tudo estaria muito bem se a Caixa, ao mesmo tempo que nega o valor de 15 milhões avançado para o contrato com Scolari, não se negasse igualmente a dizer qual é, então, o valor acordado. Serei eu que estou desactualizado, ou a Caixa ainda é um banco 100% público e Portugal ainda é uma democracia, onde o destino dado aos dinheiros públicos não pode constituir segredo de Estado?»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (07/11/2006)