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quarta-feira, agosto 10, 2005

MST: Sonhos de noites de Verão

1 John McEnroe voltou ao Algarve para voltar a ganhar o Vale do Lobo Grand Champions. Aos 48 anos de idade, Big Mac continua a mostrar a mesma fome de vencer, mesmo que a feijões, que fez dele, em minha pessoalíssima opinião, o maior tenista de todos os tempos e um dos cinco desportistas que mais marcaram para sempre a minha memória do desporto.

Quando McEnroe ganhou Wimbledon, evitando que Bjorn Borg vencesse pelo sétimo ano consecutivo (e, de facto, pondo fim à carreira de Borg), o todo selecto e tradicional All England Tennis Club cometeu uma das maiores afrontas desportivas de sempre, convidando Borg para o tradicional serão dos vencedores e deixando de lado McEnroe — que, assim foi o primeiro, e até hoje único, vencedor de Wimbledon a não ser convidado para a cerimónia dos vencedores. Com isso, os court gentlemen de Wimbledon pretendiam manifestar o quanto estavam «chocados» com o lendário mau feitio e comportamento irascível de McEnroe nos courts. Hoje, quando a tolerante Inglaterra vive sob a chantagem terrorista de cidadãos ingleses adoptados do Paquistão, da Arábia Saudita ou do Afeganistão, é mais do que irónico lembrar que o pior desabafo ouvido a McEnroe durante um jogo foi quando ele chamou ao árbitro «vergonha da humanidade » («You, Sir, are the shame of humanity!»).

Mas pior foi a ofensa desportiva. John McEnroe era um temperamental em campo porque o seu jogo era, de longe, o mais temperamental, o mais explosivo, o mais corajoso e o mais ofensivo de todo o circuito. Borg tinha revolucionado o ténis, uns anos antes, introduzindo a chamada pancada com top spin, que leva bola a descrever uma curva ascendente e depois descendente, o que permite uma pancada defensiva em força sem correr o risco de ver a bola sair comprida de mais e para fora. Ainda hoje o top spin é a primeira técnica que se ensina às crianças nas academias de ténis, devido à sua eficiência. Mas o top spin é uma pancada defensiva e foi com ela, sem nunca descer à rede, que Borg dominou o ténis mundial durante seis anos. Chamavam-lhe Ice Borg porque ele era capaz de estar eternamente a devolver bolas do fundo do «court», sem jamais se enervar ou desconcentrar. Foi esse tipo de jogo que McEnroe derrotou nessa inesquecível final de Wimbledon. Contra a frieza de Borg e a eficácia gelada do seu top spin jogado sempre do fundo do campo — e que então se tinha tornado escola adoptada por todos — McEnroe contrapôs o regresso do ténis-espectáculo, jogado sempre ao ataque, com constantes descidas à rede e apoiado num serviço perfeito e num vólei jamais igualado. Quando, após quatro horas de jogo, com duas partidas para cada lado e o resultado da quinta partida em 5-4 a favor de McEnroe, Borg foi servir, já toda a gente adivinhava o 5-5, depois o 6-6 a decisão final por tie-break — tanto mais que Borg dispunha também de um excelente serviço. Mas foi então que, das profundezas do seu cansaço e com os nervos à flor da pele, John McEnroe se lançou naquele que ficaria para sempre como um dos momentos mais decisivos e mais corajosos do desporto de todos os tempos: de cada vez que Borg servia, ele respondia partindo imediatamente para o ataque na rede. Chegou assim aos 30-0, permitiu de seguida dois passing shots em que Borg era mestre, mas não se encolheu, continuou a atacar o serviço do número 1 do mundo e ganhou o jogo e a final nas vantagens. O ténis de risco tinha vencido o ténis científico. O ténis estava salvo e, de facto, muita coisa começou a mudar na filosofia de jogo, desde então. Hoje, não há nenhum jogador de topo que se permita jogar sempre e só no fundo do court, como Borg o fazia. Devemos isso a John McEnroe.

2 Os presidentes do Benfica e do Sporting andam entretidíssimos numa discussão pública para saber quem é o mais moderno e original a gerir o respectivo clube. E, por modernidade e originalidade, eles entendem uma coisa a que chamam ridiculamente o naming e que, traduzido para português, significa tão-só a venda do nome do estádio a quem lhes pagar mais — nisso copiando a originalidade de alguns clubes europeus que já o fizeram. (O tal naming é um dos exemplos da linguagem pretensiosa, supostamente economista, com que se ofusca jornalistas e adeptos e agora tão em moda. Por exemplo, quando não se tem coragem para dizer que o Benfica não sabe como há-de pagar as dívidas, diz-se que tem já pronto o seu project finance — com o que os adeptos distraídos se convencem que o assunto está resolvido e rendem graças a estes gestores tão «modernos »).

No caso do naming, a competição vai feroz na Segunda Circular. O Benfica vendeu o nome das bancadas e do pavilhão, o Sporting o das portas, ambos anseiam agora por vender o dos próprios estádios. Palpita-me que o vencedor só será apurado quando se chegar à fase de se vender o nome dos balneários e dos sanitários públicos. Depois, vamos poder ouvir os adeptos a descrever uma ida ao futebol: «Vou ao Estádio McDonnalds, entro pela porta Citroen, sento-me na bancada Coca-Cola e vou à retrete Algarve é qualidade. Será que ainda tratarão os jogadores pelo nome ou também este será vendido?

Enfim, humor à parte, talvez este seja o futuro, triste mas inevitável, de todos os clubes. Só não percebo é que tentem apresentar isto como exemplo de uma gestão moderna e imaginativa. E menos ainda entendo a lógica do raciocínio subentendido por alguns próximos do Benfica: que sim senhor, o nome do estádio vai ser vendido,mas isso pouco importa porque toda a gente vai continuar a chamar-lhe Estádio da Luz, apesar dos três milhões de euros ao ano encaixados para lhe chamar outra coisa qualquer. Porque, das duas uma: ou têm vergonha de vender o nomedo estádio e não o fazem; ou, pelo contrário, acham que isso é um acto de boa gestão e então não mordam a mão que lhes dá de comer. Até porque correm o risco de afugentar o comprador.

3 O FC Porto de White Hart Lane voltou a mostrar exuberantemente as mesmas qualidades e fraquezas de que aqui falei há oito dias. O futebol posto em campo de início é espectacular, ofensivo, generoso. Mas não dura mais do que trinta minutos na primeira parte e vinte, já mais calmo, na segunda. O problema adicional é que, para que isso fosse suficiente, seria necessário que a equipa marcasse golos nos períodos de exuberância e não os sofresse nos outros. Nem uma nem outra coisa têm acontecido.

No ataque, McCarthy desgasta-se em numerosas tarefas longe da zona de golo, onde falta ou onde chega cansado depois. E o lugar do número 10, que funciona atrás dele, é ocupado por Postiga, com a sua conhecida alergia ao golo. Volto a repetir que Adriaanse, ao menos para confirmar que tem razão nas suas opções, deveria ensaiar alternativas ao número 10. McCarthy atrás e Hugo Almeida à frente, ou, a que me parece mais lógica e mais prometedora: Jorginho no lugar de Postiga e Quaresma na direita, no lugar de Jorginho. Até porque Quaresma é dos raros jogadores,juntamente com McCarthy, que não têm medo de tentar marcar golo e assim salvou o Porto o ano passado, em diversas ocasiões.

Atrás, concordo que não haja melhores alternativas para as laterais do que Sonkaya e Leandro. Mas isso não impede que eles sejam apenas jogadores razoáveis. Os problemas principais vêm, contudo, da dupla de centrais. Apesar de Adriaanse ter elogiado o «entendimento» entre Ricardo Costa e Pedro Emanuel, o único entendimento que tem sido visível até aqui é a naturalidade com que ambos vêm permitindo que,em cada jogo, apareça quatro ou cinco vezes um adversário isolado frente ao guarda-redes, pela zona central. Aqui, manifestamente, seria de tentar alternativas.

4 No seu louvável entusiasmo de tentar fazer do Benfica o clube desportivo com maior número de sóciosnomundo (e o único em que a qualidade de sócio não dá o direito de participar ou assistir a acontecimentos organizados pelo clube), Luís Filipe Vieira vem prometendo um «Benfica europeu» já para este ano, a chegar até à final da Champions. Mas as veleidades do Benfica europeu foram cruelmente desmistificadas pela passagem «suave» do Chelsea e da Juventus pelo futuro ex-Estádio da Luz. E, depois de uma época de contratações onde também o voluntarismo falou mais alto do que a razão, o grande trunfo do Benfica para a época que vai começar promete só funcionar a nível interno: a continuação de um sistema de escolha casuística de árbitros e observadores a cargo dos mesmos que na época anterior desacreditaram por completo o sistema. A grande tarefa do Benfica não é atingir a final da Liga dos Campeões, um sonho sem qualquer base de sustentação. É provar que pode ser campeão sem sete jogos consecutivos ganhos através de penalties ou livres à entrada da área, a maioria dos quais mais do que duvidosos.

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (09/08/2005)

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