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terça-feira, junho 27, 2006

MST: Primeiro balanço

«1. No que respeita a Portugal, cumprida a primeira meta obrigatória dos oitavos-de-final, deu-se um primeiro passo mais além, com a sofrida e justa vitória contra a Holanda, após um daqueles jogos de arrasar nervos que ficam para a memória. Foi uma vitória do talento e da capacidade de resistência sobre a força, demonstrando que, tal como aqui escrevi no dia do jogo, Portugal tinha melhor equipa e, sobretudo, jogadores capazes de desequilibrar, frente a uma Holanda com um futebol totalmente previsível e repetitivo, absolutamente falho de inspiração e surpresa. Começando no primeiro minuto do jogo, os holandeses fartaram-se de tentar rematar à baliza portuguesa sem que jamais dessem mostras de serem capazes de congeminar uma jogada como a que deu o golo a Portugal. Felizmente, por mais voltas tácticas e estratégicas que se dê ao jogo, o talento individual ainda continua a ser o principal factor de diferença! E, para mais, excepção feita a Van Persie, o outro único talento holandês, Van Nistelrooy, passou o jogo inteiro sentado no banco, trocado por um total ineficaz chamado Kuyt, devido a uma birra de Van Basten.

2. Como comentou o presidente da FIFA, o Portugal-Holanda foi também um jogo, não direi estragado, mas dramatizado inutilmente pelo árbitro russo. Mas o que Blatter não disse é que decisões tão drásticas e absurdas como o segundo cartão e consequente expulsão de Deco, por reter a bola uns segundos na marcação de um livre contra Portugal, resultam directamente das instruções da FIFA. O mesmo se veria no dia seguinte, no Itália-Austrália, onde o rigor do árbitro conduziu ainda à expulsão prematura e sem justificação de Gattuso (depois, e para que o serviço ficasse completo, compensada com o penalty decisivo oferecido à Itália nos últimos segundos). O excesso de rigor com que Ivanov começou a puxar dos cartões, logo no primeiro minuto do Portugal-Holanda, teve como inevitável consequência o descontrolo do jogo, marcado por vinte cartões amarelos e quatro vermelhos, conseguindo-se exactamente o efeito oposto ao pretendido com tanto zelo disciplinar: criar um clima de quase confronto geral dentro do campo. A imagem emblemática de Deco e Van Bronckhorst, companheiros no Barcelona e ambos expulsos no domingo, sentados nos degraus do túnel para as cabinas, comentando em amena conversa os desvarios do árbitro, é ilustrativa da falta de senso deste fundamentalismo disciplinar.

Há oito e oitenta. Uma coisa é reprimir o antijogo faltoso, como o que afastou do jogo Cristiano Ronaldo, outra é meter tudo no mesmo saco, desde inofensivas mãos na bola a meio-campo até verdadeiras entradas violentas por trás. O excesso de rigor adoptado doutrinariamente como imagem demarca das arbitragens deste Mundial, não apenas estraga certos jogos, desequilibrando artificialmente as forças em presença, como ameaça privar o campeonato de alguns dos seus melhores jogadores.

3. Do ponto de vista futebolístico, não tem sido um grande Mundial: até à data, teve aí uns três ou quatro jogos verdadeiramente bons, o que é demasiado pouco num total de 54! Os treinadores da contenção e dos resultados acima de tudo estão a impor a sua lei, bem ilustrada no exemplo da selecção da Suiça, eliminada nos oitavos-de-final, depois de disputar quatro jogos em que não sofreu um único golo, uma situação verdadeiramente absurda. E bem ilustrada na frase de Carlos Alberto Parreira: «espectáculo é ganhar!». Com o devido respeito, não estou de acordo. Não entendo que vantagens pode haver para o futebol em ver um Brasil a jogar a passo, uma Argentina que deixa no banco Tevez, Aimar e esse prodígio que é Lionel Messi, e joga contra o México um jogo em que o objectivo único era não perder, num espectáculo tão soporífero que eu acabei mesmo por adormecer e perder o golo decisivo de Maximiano Rodriguez. A França tem sido a chatice profunda que se vê; a Itália — com uma passadeira estendida pelo sorteio até às meias-finais—está cada vez mais igual a si própria, isto é, jogando um futebol tão cínico que chega a ser irritante. A Inglaterra, alterna dois tipos de jogo: ou sem ideia alguma ou com uma ideia fixa, que é atirar bolas por alto para os dois metros de Crouch: espero bem que aprenda com Portugal a mesma lição que a Holanda de Van Basten. E até a Espanha que, tal como a Argentina, começou o campeonato em grande estilo, já tratou de abrandar o ritmo, não fossem os seus fãs ficarem mal habituados. Com tantas cautelas, tanta disciplina táctica e tanta administração científica dos resultados, não admira que os oitavos-de-final sejam sempre equilibrados, que os golos sejam poucos e que, no final, a Alemanha ainda venha a fazer a festa em casa.

4. Com os grandes do mundo a nivelarem as suas ambições e riscos pelo nível dos pequenos, é difícil perceber se foram estes que cresceram ou se foram aqueles que se autolimitaram. Parece não haver dúvidas que as melhores surpresas vieram do Extremo Oriente, com o Japão de Zico, a Coreia do Sul criada por Gus Hiddink para o Mundial de 2002, e a Austrália inventada pelo mesmo Guus Hiddink para este Mundial e que ontem caiu injustamente, e graças a um penalty fantasma, às mãos da Itália. Pela África, o Gana tem sido a excepção à desilusão geral, constituindo não uma surpresa, mas uma confirmação (há dez anos, tinha a melhor equipa de Sub-20 que eu jamais vi jogar)... e... e, ainda falta ver o que faz contra o Brasil. Pelas Américas, e para além dos dois crónicos gigantes, o Equador foi a surpresa e o México foi até onde seria razoável esperar. Ambas as selecções, porém, muito longe de fazer esquecer outras selecções latino-americanas de outros tempos e agora ausentes, como o Uruguai, o Chile, o Peru ou a Colômbia.

Finalmente, e ainda antes de saber os resultados dos dois últimos jogos dos oitavos-de-final, que terão lugar hoje, pode-se constatar que todos os principais favoritos estão ainda em prova: Brasil, Argentina, Alemanha, Itália, Inglaterra, França, Espanha. Portugal e a Ucrânia são, para já, os únicos intrometidos. O outro facto a merecer meditação é que há seis selecções europeias entre as oito que disputarão os quartos-de-final. E as quatro que caíram nos oitavos-de-final caíram todas às mãos de outras selecções Europeias. Se algum dos europeus chegar à final de Berlim e a ganhar, este terá sido para a história o Mundial da Europa.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (27/06/2006)

quarta-feira, junho 21, 2006

Equipamentos 2006/07

Confesso que no início fiqurei «chocado» com os novos equipamentos, muito por culpa da má qualidade das imagens que circulavam na Internet, sobretudo no que toca às cores propriamente ditas.

Agora que já os vi (ao vivo e a cores, como se diz) posso dizer que cada vez mais gosto deles. Aqui ficam algumas images retiradas do «maisfutebol».

Equipamento 2006 / 2007




terça-feira, junho 20, 2006

MST: Na senda dos Magriços?

«Devo ter sido um dos raros portugueses que não viram o Portugal- Irão: não vi em directo, não vi em diferido, não vi resumos, não vi sequer os golos. Não vi nada: acompanhei a marcha do resultado por SMS e foi tudo. Pela primeira, e espero que última vez na minha vida, falhei por completo um jogo de Portugal no Mundial — como, aliás, falhei todos os jogos do Mundial entre sexta e segunda, excepto 20 minutos do Brasil-Austrália, vistos numa televisão de aeroporto. Mas é assim a vida: umas vezes podemos escolher, outras não há escolha possível e só resta conformarmo-nos.

Onde estive forçadamente arredado do Mundial, é, todavia, uma das pátrias do futebol: a Itália. Mais precisamente, Turim, onde o recente escândalo de viciação de resultados que abala o cálcio ameaça remeter o clube emblemático da cidade e da Fiat, a Juventus, campeão em título, para a segunda divisão. Desde há muitos anos que tenho para mim que a Itália é o país mais civilizado do mundo, naquilo que eu entendo por civilização. E, apesar da paixão com que os italianos vivem o futebol, não foi, por isso, com grande estranheza que eu vivi três dias em Itália sem dar pelo Mundial e sem escutar nenhuma conversa sobre futebol, nem sequer uns lamentos pelo tropeção da Squadra Azurra frente aos americanos. Bandeiras nacionais nas janelas raríssimas, nos carros nenhuma, e tema do fim-de semana e de todas as conversas, não o Mundial, mas a prisão de Vittorio Emanuel de Sabóia, pretendente ao trono de Itália e descendente directo do Rei do mesmo nome que unificou o país, miseravelmente acusado de associação de malfeitores para promoção da prostituição. «Sic transit gloria regia...»

No avião que domingo me trouxe de volta procurei, como um náufrago, relatos da prestação da Selecção frente ao Irão. No Diário de Notícias, o título, que dava o mote a quase todos os textos da nossa imprensa: «Na senda dos Magriços».Um coro de elogios sem freio atravessava toda a nossa imprensa, com a excepção, também no Diário de Notícias, de alguém que, escrevendo num blogue sob o pseudónimo de Maradona, dizia cobras e lagartos da nossa prestação, dizendo que pouco tinha melhorado em relação ao jogo com Angola. Na imprensa internacional, e com excepção do L’Équipe, os encómios também não eram muitos e podiam ser resumidos na frase do La Nátion, de Buenos Aires: «Não assustam ninguém».

Desembarquei baralhado nas conclusões, mas movido por um incontrolável desejo patriótico de caracóis com imperial, que me fez rumar de imediato a uma tasca em Alcântara, onde dois sujeitos, fardados com aquilo a que um leitor do Público chamou «traje do patriota futebolístico», discutiam se Portugal iria ser campeão do mundo ou se perderia para o Brasil, e isto depois de considerarem devidamente o peso da ameaça representada também pelas possibilidades de Angola (certamente, tratase de leitores atentos dos bilhetes-postais do Professor Marcelo, na última página deste jornal). Encolhido no meu canto, debruçado sobre o meu pires de caracóis e a minha imperial, só rezava a todos os santinhos para que ninguém me perguntasse o que tinha eu achado da notável exibição contra o Irão e das nossas infalíveis probabilidades de sermos campeões do mundo, para que eu não tivesse de responder, para grande consternação da assembleia, que não tinha visto o jogo e que, enfim, em todo o caso achava que 1-0 a Angola e 2-0 ao Irão não era bem comparável à saga de 66: 3-1 à grande Hungria de então, 3-0 à Bulgária, e 3-1 ao Brasil de Pelé, até chegarmos aos oitavos-de-final.

Acabrunhado com a sensação de ter perdido, sem remissão possível, um dos grandes momentos do futebol português, senão mesmo da história de Portugal, baralhado com a nenhuma importância que a imprensa lida à pressa tinha dado ao facto de um tal José Silva (o mais português de todos os nomes), investigador em Edimburgo, ter publicado um artigo na mais prestigiada revista cientifica do mundo, a Nature, onde revela a descoberta que está à beira de conseguir o rejuvenescimento das células velhas da pele, isto é, a hipótese louca da eterna juventude — fui sentar-me em ânsia de zapping diante do televisor, na esperança tardia de poder enfim ver o Portugal-Irão.

Mas, não, esperança vã. Em vez disso, tive, sim, ocasião de ver duas coisas absurdas, despropositadas, acima de tudo inconvenientes. Uma foi proporcionada pela RTP-Memória: a revisão de um Portugal-Letónia de 1995, jogo de qualificação para o Europeu de 96, jogado no antigo Estádio das Antas. A Selecção era treinada por António Oliveira e formada por sete (!) jogadores do FC Porto (Baía, Paulinho Santos, Fernando Couto, Jorge Costa, Secretário, Folha e Domingos) e mais quatro já então estrangeirados de luxo: Figo, Rui Costa, Paulo Sousa e Futre. Aos 20 minutos de jogo e antes de termos adormecido, vencíamos já por 3-0, e sabem o que me pareceu verdadeiramente inconveniente e sei que não devia confessar de maneira alguma? Jogavam muito melhor do que agora! Incomodado, mudei de canal e subitamente dei com o seleccionador a falar: era o canal Giga Shoping e passava a integral do anúncio ao relógio oficial da Selecção e da Federação, protagonizado por Luiz Felipe Scolari. Passaram duas vezes seguidas o anúncio, o que me deu para não ficar com dúvidas sobre a mensagem clara: quem é bom patriota, está com a Selecção de Scolari e usa o relógio oficial, na módica quantia de 125 euros, podendo ser pagos em seis suaves prestações. E assim me fui deitar, exausto de Pátria.

Segunda-feira, li a já mais calma imprensa desportiva. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Nem Berlim nem Alcácer-Quibir. Algumas coisas tidas como óbvias: foi melhor contra o Irão do que contra Angola — o que não era difícil de acontecer; voltou o melhor meio-campo, o tal que Mourinho construiu no FC Porto campeão europeu e que Scolari só descobriu depois de todos os outros e depois de ter perdido o jogo inaugural do Europeu de 2004 — Costinha, Deco e Maniche; e que, se a meta mínima dos oitavos-finais já está adquirida, falta ainda um teste de verdade, que se espera possa ser já contra oMéxico. Tudo visto (e não visto) e tudo ponderado, acho que o mais urgente, o mais importante e o mais indispensável está conseguido. Sinceramente, não acho relevante que os dois primeiros jogos não tenham sido de encher o olho: é muito mais relevante que se tenha melhorado do primeiro para o segundo, porque se isso não tem sucedido é que seria preocupante. Agora, conseguida a qualificação, chegamos à fase das decisões e já contra o México. Chegamos na mais cómoda das situações, mas, apesar de tudo, a exigir uma decisão de Scolari: jogamos para o primeiro lugar ou para o segundo, apostamos na Holanda ou na Argentina, poupamos os jogadores amarelados e os mais cansados ou não poupamos ninguém? Seja qual for a decisão e o resultado do jogo como México, porém, trata-se apenas de um jogo de transição. O importante virá a seguir: aí é que está a linha traçada na areia, para além ou para aquém da qual se fará a história desta nossa participação no Mundial da Alemanha.

PS — Ao contrário do que Luiz Felipe Scolari presumiu na sua ignorância, eu sou um apaixonado de longa data do Brasil e leitor atento da sua imprensa e dos seus escritores. E uma das coisas que eu gosto no Brasil é que lá os intelectuais, como depreciativamente lhes chama Scolari, ocupam-se regularmente de futebol, tal qual os que nunca leram um livro. Na semana passada, dois intelectuais brasileiros, que, por acaso, são os dois escritores vivos mais prestigiados do Brasil, Luis Fernando Verissimo e João Ubaldo Ribeiro, escreveram sobre a prestação inaugural da Selecção brasileira no Mundial e arrasaram-na. Até à data, não consta que Carlos Alberto Parreira os tenha tratado de «bosta».»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (20/06/2006)

terça-feira, junho 13, 2006

MST: Gosto mais de sardinhas assadas

«1. O Mundial já vai no quarto dia e com alguns 12 jogos disputados, e tudo o que eu vi foi o Angola-Portugal, aliás um jogo profundamente aborrecido — se é que o Luís Figo permite que se diga isto. Um fim-de-semana a gritar por Algarve, vento sueste, praias semi desertas, o mercado do peixe de manhã, a sesta na rede à tarde, umas sardinhas assadas ao final do dia, noites de lua cheia, o último livro do Mário Cláudio para ler e um sono embalado pelo canto dos pássaros — enfim, os sinais do Verão por todos os lados — e como é que me haveria de dar para ficarem frente da televisão a ver um Inglaterra-Paraguai, um Suécia-Trindade e Tobago ou um Japão-Austrália? Amigos e conhecidos meus meteram férias agora, pediram ao médico amigo que lhes desse umas baixas criteriosas, invocando stress ou mal de viver, ou então, pura e simplesmente, declararam que iam hibernar por um mês, só para ficarem em casa diante do televisor a assistir ao Mundial, de fio a pavio. Mais sofisticados e mais in, outros compraram pacotes de Mundial, saindo de Lisboa de manhã para ir ver um jogo e regressando logo após ou no dia seguinte. Eu, não. Eu estou como o Vítor Baía: «A Alemanha não faz parte do meu roteiro de férias.» E, quanto à televisão, tudo bem, desde que os absurdos horários dos jogos não colidam com uma praia com vento sueste, umas sardinhas a morrer na brasa ou uma lua a deslizar pela frente da minha noite. Peço desculpa a todos os que andam de bandeira ao vento, a todas as criancinhas que se passeiam equipadas à Selecção Nacional, aos repórteres histriónicos da televisão que interrompem a emissão para gritar «alarme na Selecção! O Deco lesionou-se no treino desta tarde!», a todos os políticos em desfile pela Alemanha, mas o meu amor à Pátria e ao futebol tem limites. Afinal, tudo na vida é feito de escolhas. Aliás, venho constatando que, ano após ano, o futebol vai tendo cada vez menos capacidade de determinar as minhas escolhas. Este ano, por exemplo, falhei, quer no estádio, quer na televisão, jogos decisivos do meu clube, porque estava ocupado com coisas mais urgentes ou mais atraentes. Pouco festejei o título do FC Porto e foram mais as razões que me levaram a irritar-me com o futebol visto, ouvido e discutido, do que as que me levaram a agradecer-lhe momentos de puro prazer. Quantos jogos terei eu visto este ano que me encheram as medidas? Talvez uns três, não mais do que isso. Mas, quanto pior é o futebol que se vê, maior é a importância sempre crescente que ele tem. Maior é o protagonismo dos dirigentes, maior é a prosápia dos treinadores, maior é o vedetismo dos jogadores. Chega a um ponto em que só me apetece desabafar: «Basta! Trata-se apenas de saber dar chutos numa bola! Há uma quantidade de gente que faz coisas bem mais interessantes e importantes e que não tem nem um centésimo das atenções dispensadas aos do futebol.» No que ao Mundial diz respeito, eu continuo a achar que são equipas a mais, jogos a mais, tempo a mais. Não mais do que um quarto dos jogos tem verdadeiro interesse, e não mais do que um quinto acabam por ser grandes jogos de futebol. O resto é pura e dura promoção, que acaba por esmagar tudo à volta, como se não houvesse vida para além do Mundial. Eu sei que isto pode parecer estranho de escrever num jornal que, acima de tudo, se ocupa do futebol, mas acredito que, como em tudo o resto na vida, a quantidade mata a qualidade. O que é de mais torna-se banal e o que é banal torna-se desinteressante. Enfim, lá mais para diante, quando o Mundial já estiver limpo das Selecções apuradas segundo um critério politicamente correcto, hei-de, fatalmente, perder algumas horas a ver o que verdadeiramente interessa. Quando, além do mais, for lua de quarto minguante e o vento tiver virado a norte.

2. Não sei se distraídos pelo Mundial, se despertos para a realidade das suas situações financeiras, os clubes portugueses, e em particular os grandes, têm protagonizado até aqui um defeso anormalmente calmo em termos de compras e vendas. A excepção tem sido o Sporting de Braga, fazendo o papel de novo rico e afirmando-se disposto a mais altos voos. No FC Porto, há notícia de duas contratações e nenhuma venda, continuando o problema principal a ser, como de costume, o destino a dar à vintena de jogadores excedentários, comprados por atacado em momentos de perigosa euforia, e agora amarrados por contratos de longa duração e salários a que ninguém mais quer chegar. No Sporting, prossegue a política de prescindir dos anéis para salvar os dedos. Vende-se o património imobiliário e anuncia-se que aquisições só por empréstimo ou a custo zero. Alguns, saudosos da antiga fidalguia, protestam contra esta gestão, mas, na hora da verdade, nada de melhor têm para propor e por isso não convencem quem deviam. No Benfica, a situação é basicamente a mesma, mas ainda se pretende enganar o pagode com aquele tipo de declarações de que «os bons jogadores interessam sempre ao Benfica» ou que «o Benfica está atento ao mercado». Depois, repetem-se de Verão para Verão aquelas patéticas cenas, que são já uma imagem de marca do clube: primeiro, deixa-se noticiar que o Benfica está interessado em determinado jogador; a seguir e durante uma semana, vai-se ouvir o jogador dizer que «o Benfica é um sonho»; finalmente, o desfecho acaba por ser invariavelmente o mesmo — o jogador, já com um pé e todo o coração e cabeça no Benfica, aparece a assinar surpreendentemente por outro clube. E logo se retoma a novela com novo candidato. Entretanto, e trocando a realidade por miúdos, assim como no FC Porto neste defeso se desespera por vender McCarthy, no Benfica desespera-se por vender Laurent Robert e Simão Sabrosa (que, aliás, já deve estar vendido, não a um clube, mas a um empresário). Mas, tudo visto, são boas notícias: o juízo parece ter chegado à cidade.

3. Lendo por alto, é possível estabelecer vários momentos no chamado caso Gil Vicente e ver claro. Num primeiro momento, há uma lei absurda que obriga um jogador a fingir-se amador quando já é profissional, assim limitando, de facto, a sua liberdade de trabalho. Num segundo momento, o Gil Vicente, consciente da lei e da sua aplicação ao jogador Mateus, resolve contorná-la, apelando para a justiça comum e através da esperteza saloia de fingir que quem recorria era o jogador e não o clube. Ora, mal ou bem, existem regras, nacionais e internacionais, que vedam o acesso à justiça comum em matéria de direito desportivo. Ninguém é obrigado a aceitar tais regras nem a inscrever-se nas competições onde ela vigora: trata-se de competições particulares e fechadas, com regras próprias. Ou se aceita ou não se aceita, não se pode é aceitar para estar lá dentro e não aceitar quando não convém. A Comissão Disciplinar da Liga decidiu, pois, e com toda a lógica, despromover o Gil Vicente, por não ter acatado tal regra. Mas depois resolveram inventar nova reunião, como se a primeira não tivesse existido, trazer a votar quem não tinha votado e inventar um voto de qualidade do presidente para mudar tudo. Foi uma palhaçada: mais uma, digna de um órgão que tudo o que faz é uma palhaçada — jurídica, desportiva, ética.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (13/06/2006)

quarta-feira, junho 07, 2006

Enquanto não começa...

o campeonato do mundo, podem ir escolhendo aqui qual é o país favorito à vitória final!

Devo dizer que por mim ganhava a Alemanha... :-)

MST: Falemos de coisas mais importantes

«1. Sábado passado assisti a um dos grandes momentos desportivos deste ano: o jogo dos 16 avos-de-final de Rolland Garros, opondo o campeão em título e n.º 2 do ranking, Rafael Nadal, ao francês, 32.º ATP, Paul-Henri Mathieu. No dia em que completava apenas 20 anos de idade(!), o maiorquino Nadal, uma espécie de apache em fúria no court, teve de sofrer 4 horas e 53 minutos para se livrar do seu corajoso adversário — apenas treze minutos a menos do que durou, no mês passado, a célebre final de Roma, vencida em cinco sets pelo mesmo Nadal contra o n.º 1 mundial, Roger Federer.

E, ao longo das quatro horas e 53 minutos de jogo, pude, uma vez mais, confirmar a minha certeza de que o ténis é o mais bonito desporto alguma vez inventado e compará-lo, sei lá, com o futebol, por exemplo. E dei comigo a interrogar-me porque me deixo envolver tanto com o futebol — que, ao pé do ténis, não passa, hoje em dia, de um grande negócio alimentado ou pela paixão clubista e nacionalista ou pela esperança, quase sempre defraudada, de, de vez em quando, assistir a um grande espectáculo, como nos tempos em que os seus protagonistas se chamavam Maradona, Sócrates, Zico, Cruyff, Beckenbauer, Netzer ou Madjer.

Para começar, o ténis não tem clubes — o que, desde logo, afasta a paixão e a cegueira clubista. E, mesmo quando se torce por um compatriota, a beleza e a intensidade do duelo são tamanhas, que fatalmente acaba-se a torcer pelo mais corajoso, mais combativo ou melhor jogador. Depois, há uma rede a dividir os jogadores, o que impede desde logo o antijogo e as tácticas defensivas — muito embora, e essa é uma das atracções do jogo, se assista muitas vezes a duelos entre jogadores mais defensivos, como Nadal, e outros mais de ataque, como Mathieu.

O facto de não ser um jogo colectivo retira ao ténis o lado de desenho estratégico em movimento, que é um dos aliciantes do futebol, mas isso é largamente compensado pelo seu lado de duelo medieval entre dois contendores. E, por maior que seja a diferença entre ambos, é raríssimo que, ao longo de todo um jogo, um dos contendores esteja permanentemente por cima: cada um deles atravessa diferentes momentos de inspiração ou de desinspiração, de coragem ou de recuo, de fé ou de descrença. E é impressionante a capacidade de resistência física e psicológica de jogadores que são capazes de estar a trocar bolas, em permanente movimento e esforço, durante uma partida que chega a durar mais do que três jogos de futebol. Depois, há toda a beleza técnica e estética do jogo em si mesmo, que não vale a pena sequer tentar explicar: ou se entende ou não se entende.

Finalmente, e não menos importante, o ténis permanece, ao longo de mais de um século de existência, um verdadeiro desporto de cavalheiros. Ninguém se atreve a contestar o árbitro — quando muito, pede-se-lhe delicadamente que ele confirme que a bola foi fora ou não. Nenhum jogador discute com o outro durante o jogo e são raríssimos, ou nenhuns mesmo, os casos emque um jogador ousa atribuir a derrota a falta de sorte ou culpa do árbitro. A regra é só uma: quem ganhou, mereceu ganhar.

Portanto, sábado passado, deliciado a assistir a um grande jogo de ténis, dei comigo a pensar que bom que é haver vida desportiva para além do futebol—num momento emque parece que não há nenhum outro tipo de vida, desportiva e não desportiva, para além do futebol e do Mundial.

2. Aqui há umas semanas houve um debate, salvo erro na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, sobre o jornalismo desportivo. Li nos jornais queumdos participantes, jornalista, contou que no voo que levou recentemente a equipa do Benfica a Moçambique, Luís Filipe Vieira terá passado um violento raspanete a toda a imprensa desportiva que acompanha normalmente a equipa, já não sei a propósito de que assunto. E que, estranhamente, tal episódio não foi relatado nem referido por nenhum dos destinatários que seguiam a bordo. Não sei se a história é verdadeira ou não; sei que veio publicada na imprensa não desportiva e que ninguém que eu tivesse visto, a desmentiu, assim confirmando implicitamente a sua veracidade e as lições que ela implica. Lembrei-me disso a propósito da conferência de imprensa em que o seleccionador nacional anunciou a sua escolha dos 23 para a Alemanha. Obviamente, o interesse principal era ouvir da boca dele uma explicação para a não convocação de Quaresma e outros. Mas bastou que Scolari tivesse anunciado previamente que não respondia a perguntas sobre os não convocados para que todos os jornalistas presentes acatassem obedientemente a sua ordem. Do mesmo modo, só depois de alguns comentadores terem levantado a questão de saber se o calor de Évora era o melhor ambiente para preparar a Selecção e se os jogos contra Cabo Verde e o Luxemburgo seriam os testesmais adequados, é que alguns jornalistas ousaram aflorar o assunto para logo serem ameaçados pelo dr. Madail, que jura que vai voltar da Alemanha de dedo em riste para apontar os «antipatriotas» que ousam questionar a infalibilidade divina de quem decide estas coisas transcendentes.

Quero apenas recordar que o silêncio e a submissão da imprensa são maus conselheiros. Lembrem-se de Saltillo, onde o silêncio conivente perante a rebaldaria em que vivia a Selecção, no total desconhecimento de todo o país, foram contributo decisivo para um dos mais vergonhosos episódios do desporto português de todos os tempos. Quem lá está é que sabe com que linhas se deve coser. Mas seguramente não podem crer que andamos todos bem informados com a simples menção de mais um treino ligeiro da Selecção ou aquelas conferências de imprensa onde, com algumas raras excepções como Costinha, os jogadores debitam as maiores banalidades possíveis como se dissessem coisas de uma imensa importância e profundidade. Não basta relatar que a Selecção foi recebida em Marienfeld por dez mil emigrantes portugueses, numa impressionante demonstração de amor ao país distante e crença na equipa nacional que o representa e cuja simples presença tanto significa para esses portugueses longe de Portugal. É preciso contar também que a Selecção passou por eles como se não os visse, não perdendo sequer três minutos a lhes agradecer o esforço, o estímulo e o sacrifício.

3. A seu tempo e se estiver para me chatear com o assunto, darei a devida resposta à parte que me tocou da entrevista do sr. Scolari à imprensa brasileira. Por ora, limito-me a dizer que ela apenas confirma o que já se sabia, mas que também é tabu: que o seleccionador nacional é um sujeito mal-educado, arrogante, ignorante e saudoso de regimes sem liberdade de imprensa nem regras de conduta democrática. Até pode, por absurdo dos deuses, voltar da Alemanha com o título mundial na bagagem: nem isso, a meu ver, o tornaria qualificado para representar e chefiar a Selecção do meu país. E pouco me importa se, como ele diz, houver 99,9 de portugueses que não pensam assim. Sorte a dele!»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (06/06/2006)