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terça-feira, junho 27, 2006

MST: Primeiro balanço

«1. No que respeita a Portugal, cumprida a primeira meta obrigatória dos oitavos-de-final, deu-se um primeiro passo mais além, com a sofrida e justa vitória contra a Holanda, após um daqueles jogos de arrasar nervos que ficam para a memória. Foi uma vitória do talento e da capacidade de resistência sobre a força, demonstrando que, tal como aqui escrevi no dia do jogo, Portugal tinha melhor equipa e, sobretudo, jogadores capazes de desequilibrar, frente a uma Holanda com um futebol totalmente previsível e repetitivo, absolutamente falho de inspiração e surpresa. Começando no primeiro minuto do jogo, os holandeses fartaram-se de tentar rematar à baliza portuguesa sem que jamais dessem mostras de serem capazes de congeminar uma jogada como a que deu o golo a Portugal. Felizmente, por mais voltas tácticas e estratégicas que se dê ao jogo, o talento individual ainda continua a ser o principal factor de diferença! E, para mais, excepção feita a Van Persie, o outro único talento holandês, Van Nistelrooy, passou o jogo inteiro sentado no banco, trocado por um total ineficaz chamado Kuyt, devido a uma birra de Van Basten.

2. Como comentou o presidente da FIFA, o Portugal-Holanda foi também um jogo, não direi estragado, mas dramatizado inutilmente pelo árbitro russo. Mas o que Blatter não disse é que decisões tão drásticas e absurdas como o segundo cartão e consequente expulsão de Deco, por reter a bola uns segundos na marcação de um livre contra Portugal, resultam directamente das instruções da FIFA. O mesmo se veria no dia seguinte, no Itália-Austrália, onde o rigor do árbitro conduziu ainda à expulsão prematura e sem justificação de Gattuso (depois, e para que o serviço ficasse completo, compensada com o penalty decisivo oferecido à Itália nos últimos segundos). O excesso de rigor com que Ivanov começou a puxar dos cartões, logo no primeiro minuto do Portugal-Holanda, teve como inevitável consequência o descontrolo do jogo, marcado por vinte cartões amarelos e quatro vermelhos, conseguindo-se exactamente o efeito oposto ao pretendido com tanto zelo disciplinar: criar um clima de quase confronto geral dentro do campo. A imagem emblemática de Deco e Van Bronckhorst, companheiros no Barcelona e ambos expulsos no domingo, sentados nos degraus do túnel para as cabinas, comentando em amena conversa os desvarios do árbitro, é ilustrativa da falta de senso deste fundamentalismo disciplinar.

Há oito e oitenta. Uma coisa é reprimir o antijogo faltoso, como o que afastou do jogo Cristiano Ronaldo, outra é meter tudo no mesmo saco, desde inofensivas mãos na bola a meio-campo até verdadeiras entradas violentas por trás. O excesso de rigor adoptado doutrinariamente como imagem demarca das arbitragens deste Mundial, não apenas estraga certos jogos, desequilibrando artificialmente as forças em presença, como ameaça privar o campeonato de alguns dos seus melhores jogadores.

3. Do ponto de vista futebolístico, não tem sido um grande Mundial: até à data, teve aí uns três ou quatro jogos verdadeiramente bons, o que é demasiado pouco num total de 54! Os treinadores da contenção e dos resultados acima de tudo estão a impor a sua lei, bem ilustrada no exemplo da selecção da Suiça, eliminada nos oitavos-de-final, depois de disputar quatro jogos em que não sofreu um único golo, uma situação verdadeiramente absurda. E bem ilustrada na frase de Carlos Alberto Parreira: «espectáculo é ganhar!». Com o devido respeito, não estou de acordo. Não entendo que vantagens pode haver para o futebol em ver um Brasil a jogar a passo, uma Argentina que deixa no banco Tevez, Aimar e esse prodígio que é Lionel Messi, e joga contra o México um jogo em que o objectivo único era não perder, num espectáculo tão soporífero que eu acabei mesmo por adormecer e perder o golo decisivo de Maximiano Rodriguez. A França tem sido a chatice profunda que se vê; a Itália — com uma passadeira estendida pelo sorteio até às meias-finais—está cada vez mais igual a si própria, isto é, jogando um futebol tão cínico que chega a ser irritante. A Inglaterra, alterna dois tipos de jogo: ou sem ideia alguma ou com uma ideia fixa, que é atirar bolas por alto para os dois metros de Crouch: espero bem que aprenda com Portugal a mesma lição que a Holanda de Van Basten. E até a Espanha que, tal como a Argentina, começou o campeonato em grande estilo, já tratou de abrandar o ritmo, não fossem os seus fãs ficarem mal habituados. Com tantas cautelas, tanta disciplina táctica e tanta administração científica dos resultados, não admira que os oitavos-de-final sejam sempre equilibrados, que os golos sejam poucos e que, no final, a Alemanha ainda venha a fazer a festa em casa.

4. Com os grandes do mundo a nivelarem as suas ambições e riscos pelo nível dos pequenos, é difícil perceber se foram estes que cresceram ou se foram aqueles que se autolimitaram. Parece não haver dúvidas que as melhores surpresas vieram do Extremo Oriente, com o Japão de Zico, a Coreia do Sul criada por Gus Hiddink para o Mundial de 2002, e a Austrália inventada pelo mesmo Guus Hiddink para este Mundial e que ontem caiu injustamente, e graças a um penalty fantasma, às mãos da Itália. Pela África, o Gana tem sido a excepção à desilusão geral, constituindo não uma surpresa, mas uma confirmação (há dez anos, tinha a melhor equipa de Sub-20 que eu jamais vi jogar)... e... e, ainda falta ver o que faz contra o Brasil. Pelas Américas, e para além dos dois crónicos gigantes, o Equador foi a surpresa e o México foi até onde seria razoável esperar. Ambas as selecções, porém, muito longe de fazer esquecer outras selecções latino-americanas de outros tempos e agora ausentes, como o Uruguai, o Chile, o Peru ou a Colômbia.

Finalmente, e ainda antes de saber os resultados dos dois últimos jogos dos oitavos-de-final, que terão lugar hoje, pode-se constatar que todos os principais favoritos estão ainda em prova: Brasil, Argentina, Alemanha, Itália, Inglaterra, França, Espanha. Portugal e a Ucrânia são, para já, os únicos intrometidos. O outro facto a merecer meditação é que há seis selecções europeias entre as oito que disputarão os quartos-de-final. E as quatro que caíram nos oitavos-de-final caíram todas às mãos de outras selecções Europeias. Se algum dos europeus chegar à final de Berlim e a ganhar, este terá sido para a história o Mundial da Europa.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (27/06/2006)

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