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quarta-feira, maio 24, 2006

MST: Co Adriaanse: balanço de uma época

«Tinha prometido que faria o meu balanço pessoal sobre o desempenho do treinador do FC Porto assim que a época terminasse e não antes. A espera valeu-me as piadinhas do costume, de gente que queria por força que eu dissesse que me tinha enganado nas críticas que lhe havia feito, à vista dos resultados. Entretanto, fui também assistindo a extraordinárias conversões de outros que o tinham criticado desde o início e subitamente lhe passaram a render desveladas homenagens, logo após a vitória em Alvalade. Ora, a vitória em Alvalade teve, de facto, o condão de decidir o campeonato e a época a favor do FC Porto. A vitória foi merecida e segura mas, até 15 minutos do final, tudo continuava em aberto e, se o Sporting tem feito um golo, Co Adriaanse tinha o campeonato e a época perdidos. Assim como, se Ricardo tem defendido um só dos penalties do desempate da Taça, ou se Baía não tem feito aquela fabulosa defesa no primeiro penalty do Sporting, não teria havido Taça de Portugal. E aí, sem campeonato nem Taça, a juntar à mais desastrada campanha europeia dos últimos 20 anos, não haveria quem mexesse um dedo para defender o treinador do FC Porto. Por isso mesmo é que um balanço deve ser uma observação que resulta de tudo ponderado e não apenas de um ou dois momentos decisivos. Pessoalmente a minha opinião sobre o desempenho de Co Adriaanse passou por três fases distintas, afinal tantas quantas as fases pelas quais passou a própria equipa. Logo de início (e estão aí os registos de A BOLA para o provar) eu fiquei entusiasmado com as suas características e o seu futebol, loucamente atacante, espectacular, de constante carrossel, que foi o do princípio da época. Perguntei-me apenas, aqui, se os jogadores conseguiriam aguentar toda a época aquele jogo de vaivém constante, sem quebras nem aquilo a que José Mourinho chama o «descanso activo» com bola. Para além desse futebol-espectáculo dos primeiros jogos, houve, desde logo, outras coisas em Adriaanse que admirei e cuja admiração se mantém intocável: a disciplina fora e dentro do campo, o fair play como regra de jogo, a total ausência de lamúrias em relação à arbitragem (a principal característica dos nossos treinadores) e a consciência de que o futebol é, acima de tudo, um espectáculo que tem de trazer pessoas aos estádios. Em tudo isso, realmente, o discurso de Adriaanse foi radicalmente diferente daquilo a que estamos habituados. Mas depois começaram os jogos a sério e vieram as traumáticas derrotas em Glasgow e no Porto, contra o Artmedia. Podia-se falar de falta de sorte e houve, de facto, muito azar nesses dois jogos. Mas havia outras coisas mais, que se iam tornando evidentes: que Adriaanse estudava mal ou nada os adversários, que insistia em fazer sempre o mesmo tipo de jogo, fosse contra quem fosse; que não havia jogadas de bola parada ensaiadas (o FC Porto foi a equipa que menos golos marcou assim em todo o campeonato); que o tal futebol de ataque não era planeado mas apenas voluntarista; que as substituições a partir do banco raramente produziam efeitos; e que, sobretudo, ele revelava uma preocupante incapacidade para jogar também para o resultado, como se viu exuberantemente contra o Artmedia. Mas o mais preocupante de tudo foi o tempo que ele demorou até perceber quem eram os jogadores de primeira linha, os imprescindíveis, e os restantes. Ontem, na extensa e muito bem conduzida entrevista que deu a O Jogo, Co Adriaanse explica várias das suas opções — e com a maior parte delas eu concordo — mas não explica o tempo que demorou até chegar às escolhas certas e os danos que essa demora causou à equipa. E, para além da demora, houve também a brutalidade, insensibilidade, com que ele afastava jogadores sem uma palavra, às vezes até aqueles em quem tinha apostado cegamente. Estou inteiramente de acordo em que o Diego não tem lugar no FC Porto e duvido que tenha em qualquer equipa europeia de top, com aquele seu futebol de voltinhas e mais voltinhas e a sua total inépcia a rematar à baliza. Estou inteiramente de acordo que o Postiga não serve para número 10 e que, como número 9, não conseguiu sequer marcar 10 golos em três épocas consecutivas nos campeonatos português, inglês e francês: só não entendo é como é que o treinador demorou tanto tempo a perceber as características de um e de outro. Estou de acordo que o Jorge Costa já não tem velocidade para um tipo de jogo ofensivo que proporciona contra-ataques velozes ao adversário mas penso que continuaria utilíssimo para outros jogos, como na Liga dos Campeões, e que, sobretudo, não merecia nunca ser excluído de todos os jogos e todas as convocatórias. Até concordo que o Helton já é, talvez, melhor guarda-redes que o Baía (embora ainda não lhe chegue aos calcanhares no jogo aéreo, onde não há ninguém em Portugal que se lhe compare) mas não posso aceitar que ele descarte o Baía, como ferro-velho, ao primeiro deslize: não é assim que se conduzem homens. Demorou uma eternidade a perceber que o melhor central do FC Porto era, de longe, o Pepe, e que, para jogar ao lado dele, a escolha natural era o Pedro Emanuel (a derrota contra o Benfica, no Dragão, por exemplo, deveu-se à escolha errada dos centrais). E temos enfim o caso do Quaresma, de que reza a lenda que foi recuperado e reconvertido graças aos conselhos e ensinamentos de Adriaanse. Não é, simplesmente, verdade. Ele foi arrumado por Adriaanse porque usava brinco, mudava de penteado todas as semanas e, com o seu génio e capacidade de improvisação, lhe estragava o esquema de jogo. Não foi Quaresma quem acabou por perceber Adriaanse, foi Adriaanse que se viu forçado a perceber Quaresma e a falta que ele lhe fazia na equipa: percebeu-o quando, tendo-o feito entrar em dois jogos sucessivos a 10 minutos do fim, o Quaresma lhe resolveu das duas vezes os jogos, que estavam empatados. Em contrapartida, a aposta até ao desespero no Jorginho, a falta de confiança no Ibson, a falta de coragem em arriscar mais vezes o Anderson, tiveram mais que ver com teimosia que com lógica. E veio assim a segunda fase, em que os lenços brancos, desafiados pelo próprio, começaram a esvoaçar no Dragão. Escrevi aqui na altura que o meu continuava no bolso mas ia sendo tempo de Co Adriaanse se deixar de teorias e obstinações e começar a jogar natural e provar que era capaz de vencer jogos decisivos. E veio, enfim, a derrota na Amadora, que foi o turning point de Adriaanse. Aí ele percebeu que tinha de mudar qualquer coisa e optou — com coragem, reconheço — pela fuga em frente, passando a jogar em 3x3x4. Paradoxalmente, porém, produziu-se o efeito inverso do que ele esperava e que seria normal: a equipa começou a marcar menos golos mas a sofrer também muitos menos. E, se esse acabou por ser o sistema que lhe deu o campeonato e a Taça, é mais que justo reconhecer que isso se deve, em primeira linha a um só jogador: o Pepe, que varreu a defesa, por dois ou três. E, em segunda linha, a outros dois: o Paulo Assunção, o mais inteligente jogador da equipa, e o Ricardo Quaresma, cujas jogadas abriram caminho aos raros golos que a equipa foi obtendo. A conclusão final que tiro de tantas andanças e tantas mudanças pode ser sintetizada na frase feliz de Santos Neves, aqui, nestas páginas: «Co Adriaanse errou, errou, errou... até acertar em cheio!» A curiosidade agora está em saber se, jogando só com três defesas e com um ataque que não parece ser capaz de encontrar processos simples de chegar ao golo, ele terá alguma esperança numa campanha europeia ao menos razoável — isto é, até aos oitavos-finais da Champions. Porque, na época que acaba de terminar — e em que, na opinião geral, ele dispunha do melhor plantel a jogar em Portugal —, ganhou o campeonato e a Taça por uma unha negra e foi um desastre na Europa. Estará o copo meio-cheio ou meio-vazio? Por mim não posso fazer outro balanço que não este: aprecio as qualidades e a atitude que Adriaanse trouxe ao FC Porto e ao nosso futebolzinho mas não estou convencido ainda de que ele seja um ganhador. «Quod est demonstrandum.»»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (23/05/2006)

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