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quinta-feira, maio 11, 2006

MST: Lágrimas e suspeitas

«O Campeonato terminou com vários vencedores: o Sporting foi «campeão da injustiça», como o é sempre que não consegue ser campeão em campo; o Benfica foi «campeão da credibilidade», nas palavras do seu presidente; mas o FC Porto, se não se importam, foi o campeão de facto e de direito.

Por ter escrito aqui há semanas que o FC Porto tinha sido um campeão natural e de mérito incontestável para quem esteja de boa-fé, que, até sagrar-se campeão, nada, nenhum ponto, ficou a dever a favores de arbitragem, tive de arrostar com uma catilinária de ofensas pessoais — umas públicas, outras privadas —, todas carregadas de ressentimento, de inveja, de imbecilidade. Houve até um anormal que me citou com uma frase que nunca disse, onde me teria considerado «filho dilecto da nação». Sei que haverá sempre gente desta, mas, apesar de tudo, não deixa de fazer impressão esta facilidade que o futebol tem de despertar o que há de pior em cada um.

Anteontem, fazendo o rescaldo do Campeonato, Paulo Bento — tal como já o havia feito após o decisivo Sporting-FC Porto — voltou a demonstrar que é possível, porém, ter uma atitude diferente. Disse ele que «no final dos Campeonatos, as equipas ficam sempre no lugar que merecem» e que, quanto ao Sporting, «faltou um pouco mais de capacidade para chegar ao título». É o que todos viram, o que todos, friamente, pensam. Todos, não: quase todos. Sá Pinto, por exemplo, enquanto está a ponderar se afinal abandona ou não o futebol, certamente frustrado por esta sua saída pela porta baixa, com duas expulsões consecutivas, declarou à saída do Estádio de Alvalade que, em sua opinião, o «Sporting merecia ter ido mais além, mas não nos deixaram». Já por diversas vezes aqui elogiei o Sá Pinto — no ano passado, por exemplo, cheguei a escrever que, só por ele e pelo Liedson, o Sporting merecia ser campeão. Estou por isso à vontade para agora dizer que acho estas suas declarações inadmissíveis, sobretudo em alguém como ele, que, por nascimento, por educação e por experiência acumulada, tem obrigação de não ser como aqueles jogadores que dizem a primeira patacoada que lhes vem à cabeça. Ricardo Sá Pinto tem, evidentemente, todo o direito de achar que o Sporting merecia ter sido campeão este ano — é uma opinião largamente minoritária, mas legítima. Agora, o que não tem o direito é de vir com as estafadas insinuações sobre a legitimidade dos títulos conquistados pelos outros. No caso concreto, essas insinuações, saídas pela boca fora sem critério, não apenas ofendem a verdade e a honestidade intelectual, como também o ofendem os seus colegas de profissão do FC Porto que, em Alvalade e ao longo de toda a época, demonstraram porque mereciam ser campeões e estar ao abrigo de insinuações como esta.

O mesmo se pode dizer do segundo lugar obtido pelo Sporting a expensas do Benfica: ninguém de boa-fé pode contestar a sua justiça. E, desgraçadamente para Ronald Koeman, a sua insinuação de que jogadores do Rio Ave teriam facilitado a vitória do Sporting na penúltima jornada caíram pela base com o impensável «frango» do Ricardo nesse jogo, a que se veio somar o também impensável «frango» do Moreto em Paços de Ferreira e a exibição lamentável da equipa. Na última jornada, o Benfica não só fez questão de mostrar a justiça de não ter chegado ao segundo lugar, como ainda acabou por ser indirectamente decisivo para a despromoção do vizinho lisboeta Belenenses. Ironias do futebol!

Lá em baixo, como era de prever, foi um drama até ao fim. Também José Couceiro entrou pelo campo das suspeitas como explicação para o desastre. E, se é verdade que anteontem o Belenenses se pode queixar de um penalty inexistente em Coimbra, que salvou a Académica e o condenou a ele, é verdade também que em Barcelos não conseguiu sequer o empate que o teria salvo. No último terço do Campeonato, enquanto equipas que pareciam condenadas, como o Gil Vicente, o Paços de Ferreira e a Naval, fizeram tudo para sobreviver, outras, como o Vitória de Guimarães e o Belenenses, nunca mostraram capacidade para evitar a queda no abismo. E se no caso do Guimarães se tratava de uma morte há muito anunciada pela falta de categoria consistentemente demonstrada, no caso do Belenenses, foi uma morte imprevista, deslizante, cuja iminência a equipa só pareceu ver quando já era tarde para reagir.

Pelo que, tudo visto e contas feitas — afinal, como o devem ser —, penso que a eterna questão da justiça saiu resolvida, quer em cima quer embaixo, com toda a naturalidade e toda a lógica. Agora, o que há é corredores de fundo e estafetas, profissionais um ano inteiro e outros de breves aparições. Há jogadores que fazem um bom jogo e logo desatam a falar de alto, imaginando-se já a caminho do Real Madrid ou da Juventus. Há equipas que arrancam bem o Campeonato, sacam duas ou três vitórias de entrada, e logo anunciam que «este ano, só factores estranhos é que nos poderão impedir de atingir os nossos objectivos». E há, inevitavelmente, treinadores e dirigentes que ao primeiro erro de arbitragem de que se acham vítimas, logo saem em campanha contra o «sistema» e, no domingo seguinte, quando lhes calha serem beneficiados, calam-se muito caladinhos, a ver se ninguém dá pela coisa. Mas, enfim, lá nos vamos habituando, ano após ano. São características nossas, já não há nada a fazer.

Mais útil seria, em minha opinião, reflectir no facto de este Campeonato ter sido muito mal jogado, com escassos jogos de verdadeiro nível europeu — e depois do ano passado, que foi dos Campeonatos com pior nível futebolístico de que me lembro. No essencial, o que vimos foi equipas à defesa permanentemente, muito poucos golos marcados e grande parte deles só de bola parada, jogo faltoso e rasteiro, protestos constantes com as arbitragens, públicos sem sombra de isenção ou de exigência para com a própria equipa e depois a habitual feira de vaidades dos dirigentes, prolongando os jogos ao longo de toda a semana com as suas declarações, sempre importantíssimas e profundas. Agora, entramos nos outros dois Campeonatos, que tantas paixões e prosas convocam: o das transferências e o da luta pelo poder na Liga de clubes. Este último, aliás, já está lançado, com a primeira candidatura na mesa: a de Rui Alves, o presidente do Nacional. Para acabar de vez com qualquer tentativa de levar o nosso futebol a sério.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (09/05/2006)

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