MST: Havia necessidade?
«1. Na semana passada falei aqui dos «três erros fatais de um teimoso», cometidos por Co Adriaanse no jogo contra o Benfica e responsáveis directos pela derrota inapelável encaixada. Uma semana depois, com dois jogos tremendos pelo meio, Adriaanse corrigiu dois desses três erros e safou-se com duas vitórias preciosas daquela que poderia ter sido uma catastrófica semana de ressaca.
Começou por substituir a insustentável dupla de centrais Ricardo Costa/Bruno Alves —responsável por sete golos sofridos em três jogos — pela muito mais tranquila e «normal » dupla Pedro Emanuel/Pepe, a que acrescentou a estreia do checo Marek Ceh, em detrimento de César Peixoto. Com a sorte que tanto lhe faltara em jogos anteriores finalmente do seu lado no jogo contra o Inter, a defesa portista escapou incólume a Recoba, Figo, Adriano, Júlio Cruz e companhia. E, apesar de dois sustos sofridos no Funchal, escapou também virgem no complicado campoda quela equipa estrangeira que dá pelo curioso nome de Nacional. Com essas alterações, o FC Porto não passou a ter uma defesa segura (até porque resta o problema de Bosingwa na posição de defesa-direito, para que lhe falta em absoluto o jeito). Mas passou a ter uma defesa capaz, pelo menos, de não comprometer irremediavelmente a equipa em todos os jogos. Pena que Adriaanse só o tenha compreendido depois de ver a equipa praticamente afastada da Liga dos Campeões e batida pelo Benfica no Porto, pela primeira vez em dezasseis anos.
No ataque, o holandês pôs termo ao verdadeiro crime cometido contra o Benfica e que consistiu em deixar de fora esse talento furioso que é o Ricardo Quaresma. Quanto mais não seja, a persistência neste erro tratava-se uma atitude incompreensível para quem, como Adriaanse, tanto fala no seu amor ao futebol-espectáculo. E espectáculo, além de soluções de golo únicas, foi o que Quaresma forneceu, quer contra o Inter quer contra o Nacional.
Já não foi nada mau, para quem se obstina em ser sempre o último a ver o que já todos viram. Resta lhe agora compreender o terceiro erro em que caiu no jogo contra o Benfica e ver aquilo que também salta à vista: que Lucho González precisa de descansar, quanto mais não seja, meias partes dos jogos, e que Jorginho, tal como está a jogar, não tem lugar na equipa e é bom que saia para meditar, antes que, como ia sucedendo contra o Inter, a sua displicência, quase deite tudo a perder.
Mas havia necessidade de tanto sofrimento e tantos danos até que Co Adriaanse se rendesse ao óbvio? Pergunto-me muitas vezes se a teimosia dos treinadores em tomar os seus desejos por realidades, contra toda a evidência e senso-comum, será apenas uma forma de mostrarem autoridade e competência na matéria. E dou comigo a pensar se às vezes o ideal não seria pôr os adeptos a escolher, por votação, a equipa para cada jogo, ficando o treinador apenas com o encargo de a treinar durante a semana e com a responsabilidade de fazer as alterações que entendesse adequadas durante os jogos? Uma coisa eu era capaz de apostar: com Pedro Emanuel e Pepe nos lugares de Ricardo Costa e Bruno Alves, e Ricardo Quaresma de início, o Benfica não teria ganho no Porto com o à vontade que ganhou...
2. E, depois do Porto, também o Benfica teve uma semana bem proveitosa, com o empate fora com o Villarreal e a vitória caseira contra o Estrela. A equipa está a melhorar e a ganhar confiança e atitude a olhos vistos, com a revelação do lateral Nélson a empurrar tudo para a frente. Peço desculpa de insistir, mas parece-me que apenas o seu presidente não consegue entender que uma conjuntura favorável não pode ser imediatamente aproveitada para um triunfalismo deslumbrado e um espírito de révanche que corre o risco de, mais tarde, se virar contra o seu autor. A persistência nas declarações provocatórias após o jogo do Dragão, inventando incidentes que não existiram ou até intenções de provocação na ausência dela, faz lembrar exactamente aquilo de que se acusava Pinto da Costa há uns anos atrás. E aquela picardia final de declarar que foi mais fácil ganhar ao Porto do que ao Guimarães merecia que lhe recordassem que há mais marés do que marinheiros.
O presidente doBenfica tem razão para andar satisfeito, depois de oito dias triunfais e depois de ter visto, ao cabo deles, 38.000 espectadores acorrerem à Luz, na que foi amaior assistência da época. Mas, apesar de tudo, o presidente do «maior clube do mundo», com 200.000 «sócios» declarados, deveria ficar curioso pelo facto de a maior assistência da época na Luz ser inferior à pior assistência da época no Dragão...
3. Alguns benfiquistas, muito ingénuos ou muito pouco ingénuos, apressaram-se a manifestar o seu espanto pela brandura da pena aplicada pelo Comissão Disciplinar da Liga a Bruno Alves: dois jogos. Realmente, para quem não segue atentamente os meandros da subtil política disciplinar destes doutos conselheiros, é de espantar que Bruno Alves não tenha apanhado, como devia, cinco ou seis jogos. Mas estes juízes são tudo menos ingénuos: se Bruno Alves beneficiou agora da sua generosidade é porque eles sabem que, com castigo ou sem ele, Bruno Alves, depois do que mostrou em campo, não voltaria tão cedo à titularidade no FC Porto. E, assim sendo, a generosidade gratuita de agora permitirá aos senhores conselheiros fazerem a devida compensação, quando descobrirem um cotovelo de McCarthy ou um joelho do Quaresma fora do sítio. A CD não perde argumentos a ser duro com quem não interessa. No FC Porto. Porque, já no caso do Benfica, como se viu agora com a anedótica sequência do processo a Petit, a política é toda outra e o objectivo final dela saltou à vista, sem subterfúgios.
4. Dias da Cunha entrou no futebol de leão e saiu de sendeiro, nada mais deixando de memória do que um rasto de confusas boas intenções e trapalhada mental. Disse que vinha para combater o «sistema» e acabou de braço dado com Luís Filipe Viera, que representa o poder actual no «sistema», em associação com Valentim Loureiro —denunciado por Dias da Cunha como um dos dois chefes do mal. E, se finalmente acabou a reconhecer que «o Benfica é levado ao colo», foi ele quem o levou de braço dado até ao beijo da morte. Debalde procurou vilanias do lado de Pinto da Costa e, embora as visse vir do outro lado da Segunda Circular, não conseguiu estabelecer uma simples associação entre causa e efeito. De facto, para o final, já só conseguia meter os pés pelas mãos e fiel aos seus moinhos de vento e à sua inútil zaragata permanente, acabou a substituir o «sistema» pelos jornalistas, como origem de todos os males penados pelo Sporting. Mas havia uma luz ao fundo do túnel e, cambaleante, ele enfiou por lá: era a porta da saída.»