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quarta-feira, dezembro 14, 2005

MST: O horizonte está vermelho

«1. Semana de luxo para o Benfica, iniciada com a feliz e sofrida vitória no Funchal, continuada com a brilhante e justíssima vitória sobre o Manchester United e fechada com um triunfo merecido sobre um Boavista que pareceu mais cansado que o Benfica. Tenho de reconhecer que me precipitei quando há semanas atrás, e depois de ter visto a triste exibição do Benfica contra o Lille, comparei Koeman a Adriaanse, unindo FC Porto e Benfica na mesma «desgraça holandesa». A verdade é que, ao contrário do seu compatriota, Koeman mostrou nos últimos jogos que é capaz de definir uma estratégia coerente em função de cada jogo, de estudar bem os adversários e de tirar o melhor rendimento possível dos jogadores que tem ao dispor. E, tendo muito menos recursos humanos que Adriaanse, conseguiu que o Benfica ultrapassasse a fase de grupos da Liga dos Campeões, enquanto Adriaanse nem a Taça UEFA conseguiu.

2. São bem compreensíveis a alegria e o alívio que Co Adriaanse demonstrava no final do jogo de Leiria. Um novo resultado negativo seria dificilmente gerível, depois dos fiascos acumulados emtodos os jogos importantes que até aqui teve de enfrentar: quatro da Liga dos Campeões, mais o Benfica e o Sporting no Dragão. A vitória em Leiria, categórica e determinada, foi um sopro de vida caído do céu. Mas nada, nada, nem o título, poderá fazer esquecer a hecatombe europeia, motivada exclusivamente por erros gritantes do treinador. Na semana em que o FC Porto disse adeus à Europa e adeus ao capitão Jorge Costa (chutado para canto por Adriaanse, como roupa velha) torna-se evidente que o treinador responsável por ambas as coisas está condenado a ficar eternamente sob suspeita. Não sei se por um, se por dois, se por três anos. E se o FC Porto não perdeu em Bratislava e ganhou em Leiria, apenas três dias após aquele inferno, deve-se aos jogadores e à tal mística de que fala Vítor Baía e Jorge Costa tão bem simbolizava. O homem pode até vir a ser campeão, o que nem sequer é difícil, com a equipa e o orçamento que tem. Mas duvido que recupere a confiança e a simpatia do balneário e das bancadas. Aliás, não sei se já repararam mas esta época é a primeira, em 20 anos de presidência de Pinto da Costa, que não o vejo sentado ao lado do treinador nos jogos fora.

3. Como toda a gente já disse, não foi em Bratislava que o FC Porto se despediu da Liga dos Campeões mas apenas e também da Taça UEFA. Mas pergunto-me se por acaso fosse um dos tubarões europeus a jogar ali a continuidade na Liga a UEFA consentiria que o jogo se disputasse naquelas circunstâncias. Em mais de 40 anos a ver futebol nunca assisti a um jogo disputado num terreno assim — nem sequer na célebre final de Tóquio.

4. Não consigo entender a lógica ou a legitimidade moral de o Estádio da Luz assobiar o Cristiano Ronaldo ou o João Pinto. É verdade que o clubismo por vezes é cego mas podia ao menos ter algum pudor. É também verdade que nada disso desculpa os gestos de Cristiano, ao despedir-se do público da Luz. Mas o que mais me espantou ainda foi o espanto de tantos: por acaso não tinham ainda reparado que, de há uns tempos para cá, quer na Selecção quer no Manchester, o Cristiano tem dado sobejas demonstrações de um vedetismo insuportável? E, descrevendo todos e cada um dos jogos dele em Inglaterra e na Selecção como autênticas e únicas peças de arte, faça ele o que fizer, a imprensa não terá também alguma responsabilidade neste estatuto de semideus com que ele se pavoneia, como se o talento para jogar futebol não fosse apenas isso — talento para jogar futebol?

5. Grande alarido porque o Maciel, emprestado pelo FC Porto ao União de Leiria, ficou sentado na bancada, por imposição do acordo de cavalheiros vigente entre ambos os clubes. De repente toda a gente pareceu esquecer-se de que o mesmo tipo de acordo já vigorou este ano e nos anteriores a favor do Benfica e do Sporting. Aliás, e se não estou em erro, até foi esta a primeira vez que o FC Porto o impôs durante este campeonato. Pois eu, ao arrepio do politicamente correcto, devo dizer que sou a favor destes acordos. Primeiro porque é um acordo privado, celebrado entre duas partes livremente e honrado pela palavra de cavalheiros, que ninguém tem legitimidade para exigir que seja quebrada; segundo porque, sendo, como é norma, o ordenado dos jogadores emprestados pago entre os dois clubes, custa-me entender que alguém possa servir simultaneamente dois amos; terceiro porque é melhor que os jogadores, apesar desta limitação em dois jogos por ano, possam rodar noutros clubes que estarem encostados, sem proveito para ninguém, nos clubes de origem; e quarto porque a sua utilização contra o clube de origem daria fatalmente azo a todas as suspeitas, em caso de azar. Por exemplo: o Bruno Vale, emprestado pelo FC Porto ao Estrela da Amadora, até jogou no Dragão e fez uma excelente exibição. Mas se, por acaso, tem encaixado um frango, quem acreditaria que tinha sido involuntário? E se o Maciel tem jogado no sábado e tem falhado um penalty ou um golo de baliza aberta?

6. Depois da desastrada prestação no FC Porto-Sporting da última jornada, Lucílio Baptista reapareceu para o Benfica-Boavista e com uma irresistível tendência para só ver faltas para um dos lados. Constatei, curiosamente, que a sua nomeação não deu motivo a quaisquer críticas nem comentários. Nem sequer ouvi o sr. Veiga a falar na jarra ou nos árbitros envolvidos no Apito Dourado. Deve ter sido esquecimento...

7. Luiz Filipe Scolari é um homem de fé e um homem de sorte, como conheci raros na vida. Não sei se foi a fé na Senhora de Fátima ou a sorte que o persegue que mais uma vez o cumularam de benesses com o sorteio para o Mundial. Sei que melhor era impossível. Para que a sorte fosse completa só era preciso que Vítor Baía não continuasse, semana após semana, do tapete do Dragão ao lamaçal de Bratislava, a demonstrar que não há melhor guarda-redes que ele em Portugal. E que Ricardo Quaresma não continuasse também a insistir em mostrar que actualmente é talvez o jogador português em melhor forma e o mais útil a uma equipa. Para que alguns de nós (também portugueses, se não se importam...) não ficássemos a pensar que, com eles, a Selecção do Sul de Portugal e Comunidades Emigrantes se poderia tornar finalmente a Selecção de Todos Nós.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (13/12/2005)

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