MST: Há Moretto na costa
«1. Saí de Lisboa ontem, manhã muito cedo, e confesso que não sei como terminou o affaire, mas, segundo a imprensa de ontem, o presidente do Benfica, depois de uma viagem relâmpago ao Brasil, preparava-se para desembarcar à mesma hora na Portela, trazendo nos braços o ansiado Moretto. Dado há várias semanas como certo no Benfica, o guarda-redes sensação do Vitória de Setúbal não estava afinal tão bem controlado que tenha dispensado o incómodo de obrigar o infatigável Luís Filipe Vieira a passar o réveillon a bordo de um avião para S. Paulo com regresso no mesmo dia. Conforme relatavam os três diários desportivos de ontem (que abordavam o assunto como se da conquista de um título se tratasse), ao fim da manhã, Vieira iria apresentar a sua conquista aos sócios. E isto, depois de uma história que me pareceu muito mal contada e que terá metido uns emissários brasileiros do FC Porto (?) que, em pleno aeroporto de Cangonhas terão empurrado o presidente do Benfica e tentado evitar o embarque do messias Moretto (quem quiser que acredite...)
O Benfica entra assim em 2006 com esta grande conquista que é o Moretto, sem dúvida um bom guarda-redes, embora haja, como ele irá descobrir, uma imensa diferença entre ser bom guarda-redes num clube pequeno, onde nunca faltam as oportunidades para brilhar em defesas aparatosas, ou sê-lo num clube grande, onde se pode chegar a passar um jogo inteiro no frio e na solidão e de repente é preciso evitar o golo numa saída aos pés de um adversário que se isolou num contra-ataque.
Mas, deixemo-nos de desconversas: a grande conquista de Filipe Vieira nem é ter arranjado um guarda-redes para ocupar o lugar do desamparado Rui Nereu: a grande conquista é tê-lo arrebatado após uma luta titânica, aos que nos dizem, contra Pinto da Costa. É verdade que não houve nunca, dos lados do Porto, o menor sinal de tal refrega, à parte o facto de o empresário de Moretto ser irmão de um dirigente da SAD portista, o que é apenas uma suspeita de intenções. De resto, nem uma palavra de Pinto da Costa, de dirigentes, treinador, empresário ou do próprio Moretto (pode ser que agora a memória lhe possa ser reavivada...). Nada, apenas as suspeitas jornalísticas, sem dúvida sopradas por um vento de sudoeste...
No FC Porto, como se sabe, fazem falta, de facto, alguns jogadores, tal como um defesa-direito e dois centrais. Outros sectores poderiam eventualmente ser também reforçados, mas se há um que não precisa é a baliza. Na baliza, está lá Vítor Baía, que é somente o melhor guarda-redes português; está lá o Helton, que foi o melhor guarda-redes do campeonato anterior e que, face às notícias que já o davam à procura de clube, entalado entre a concorrência de Baía e a de Moretto, fez saber que não, que estava muito bem ali; e está lá, também, estagiando no Estrela da Amadora, o Bruno Vale, guarda-redes da Selecção de sub-21. Pelo que o Moretto, francamente, só mesmo para irritar o Benfica e deitar dinheiro à rua. É verdade que a gastar dinheiro com jogadores em rompantes de última hora, Pinto da Costa ganhou fama de ser um mãos largas. Mas é justamente por coisas dessas que hoje as finanças do clube voltaram ao vermelho e à campainha de alarme. Os tempos, espero eu, já não vão para exibicionismos desses.
2. 0 Manduca, sim, esse foi uma aquisição pacífica do Benfica, neste defeso natalício. É um grande jogador à vista, mas, tal como sucede com Moretto, também ele irá aprender que uma coisa é atacar contra equipas grandes, que jogam aberto, e outra é atacar contra equipas que jogam com dois defesas para cada avançado e tudo concentrado em trinta metros.
José Fonte é uma aquisição curiosa: aparentemente, segundo rezam os jornais, foi adquirido para ser emprestado - uma prática que eu tanto critiquei no FC Porto dos últimos anos e de que o Benfica parecia arredado. Mas mais curioso ainda são as circunstâncias da aquisição: no último jogo do campeonato, o Benfica ganhou em Setúbal, graças a um golo de Nuno Gomes no último suspiro . Mas Nuno Gomes apareceu liberto em zona proibida, justamente a zona de... José Fonte. Que, por coincidência, não estava lá: tinha rescindido o contrato com o Vitória na véspera, para dias depois, assinar... pelo Benfica. Deve ser a tal transparência de que falam...
3. Há anos, largos anos já, o horrível Pinto da Costa definiu uma regra de comportamento: jamais iria comprar um jogador que estivesse em litígio com o seu clube ou que dele tivesse saído em litígio. A regra tem-se mantido firme até hoje e em benefício, sobretudo, dos clubes pequenos, mas também dos grandes, como o próprio Benfica. Mas tal regra nunca criou escola entre os dirigentes benfiquistas que se têm sucedido. Como alguém aqui escreveu há dias e como se tem visto ao longo dos anos, a grande ave de rapina destas situações é a águia - quem ainda não provou a bicada que se cuide. Deve ser a tal maneira diferente de estar no futebol...
Fosse o horrível Pinto da Costa a fazer uma destas e estaríamos já enjoados de textos moralistas e indignados. Mas, tratando-se do Benfica, até o patético Chumbita Nunes agradece a esmola que Filipe Vieira prometeu dar-lhe pelo José Fonte (só não disseram quanto, quando e como...). Deve ser a tal "generosidade" que dizem que o Benfica tem manifestado para com o Vitória de Setúbal ao ponto de, vejam lá, se ter disposto a pagar-lhes meio milhão de euros contra o direito de escolha sobre cinco jogadores!
PS: Afinal, ainda regressei a Lisboa a tempo de introduzir este post-scriptum sobre as inesquecíveis imagens do desembarque de Moretto na Portela e depois já na tão desejada Luz... Tal como acima previ, eis que o Moretto se revelou uma garganta funda a denunciar o que sofreu com o assédio infernal do FC Porto. Curioso é que só depois de ter chegado a acordo com o Benfica é que se deu mal com o assédio: até lá, e segundo o seu relato, reuniu, conversou, negociou e assinou com dirigentes portistas. Mas, afinal, desde pequenino que era benfiquista. Desejo-lhe as maiores felicidades.
Também deu para perceber que a tal história dos emissários portistas molestando o presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo, estava realmente mal contada. Ali há gato e o gato é com o Moretto e aquele sujeito que até ontem era seu amigo e que teve direito a um comité benfíquista de boas-vindas digno de remeter as proezas do célebre guarda Abel para a categoria dos contos de fadas. Como disse Luís Filipe Vieira, as cenas que o país teve ocasião de ver ontem pela televisão ficarão para a história do futebol português. Creio que todos ficámos elucidados: só não deu para perceber a que lei e a quem obedecem os agentes da PSP que testemunharam uma agressão encomendada, de braços cruzados e a assobiar para o ar.»