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quarta-feira, janeiro 11, 2006

MST: Ilusões, aparências e farsas

«1. Tenho de voltar a este assunto sórdido. Doía-me a alma se o não fizesse. Seis profissionais de uma actividade a que chamam segurança, fardados como tal e presumivelmente a mando do Sr. José Veiga, director do futebol do SL Benfica, fizeram uma espera no aeroporto da Portela a um passageiro, acusado de ter incomodado («empurrado») o presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo e, perante os jornalistas, televisões e agentes da PSP, provocaram-no e enfiaram-lhe uma estalada como aviso. Ele encaixou a estalada e, por isso, a coisa ficou por aí. Foi um episódio verdadeiramente siciliano, revelador de várias coisas incontornáveis, tais como uma atitude de impunidade, de sobranceria, de quero, posso e mando que, por si só chegou e bastou para revelar a uma outra luz a face de alguns cavalheiros regeneradores da selva do futebol português. Com honrosas excepções, seguiu-se, na nossa imprensa desportiva, a tentativa de branqueamento do episódio. E nada melhor para tal do que a batota de meter no mesmo saco um facto e um não facto. O facto era a agressão encomendada por alguém que manda no Benfica; o não facto, a imaginativa encenação de atribuir o suposto empurrão ao presidente do Benfica no aeroporto de S. Paulo a um emissário do FC Porto. Mas se o primeiro episódio foi visto, fotografado e filmado por todos, se os seguranças contratados acompanhavam um director do Benfica, já o segundo episódio tem como testemunha, intérprete e acusador apenas e só o próprio presidente do Benfica. Quando eu estudei jornalismo, aprendi que tal era manifestamente insuficiente para se transformar em facto. Mas, à conta desta mais do que forçada semelhança de factos, atitudes e responsabilidades, escreveram-se pungentes textos moralistas, em que o visto e o não visto, o real e o imaginário, se equivaliam até ao desejado ponto de poder legitimar os acontecimentos do aeroporto de Lisboa com os supostos acontecimentos do aeroporto de S. Paulo, fácil e expeditamente atribuídos à terrível gente do FC Porto. E assim, não se dispensando de extrair uma condenação de princípio sobre o assunto, preservou-se cuidadosamente a figura de intocável do presidente do Benfica e do seu Richelieu de serviço. Quando Luís Filipe Vieira surgiu à frente dos destinos do maior clube português, não fiz cerimónia em elogiar aqui, e mais do que uma vez, o que me parecia ser uma postura de humildade, trabalho e empenho em defesa dos interesses do seu clube e até do futebol, em geral. Mas, com o correr do tempo, e em especial desde que se associou intimamente a José Veiga, venho notando que, se o trabalho e esforço pelo Benfica se mantêm e só lhe ficam bem, já a sua contribuição para a melhoria do futebol português cedeu lugar a uma atitude de hegemonia extradesportiva e prepotência entre pares, que sepultou de vez a elogiada humildade. Embriagado por uma imprensa que lhe dedica um verdadeiro e ridículo culto de personalidade, Luís Filipe Vieira parece-me estar a resvalar para próximo da fronteira onde acabará por achar que tudo lhe é lícito, impune e elogiado, apenas porque é presidente do maior clube português. Oxalá, digo-o sinceramente, seja só uma impressão minha.

2. Realmente, e para terminar o rescaldo do palpitante episódio Moretto, Pinto da Costa tem razão na pergunta que fez e que permanece sem resposta: se o Moretto só queria ir para o Benfica, se Chumbita Nunes só queria que ele fosse para o Benfica e se mantinha contrato válido com o Setúbal, que necessidade havia de ir ao Brasil raptá-lo das garras do FC Porto? Porque não esperar tranquilamente que ele regressasse a Setúbal e assinar então contrato com ele? É verdade que não produzia o mesmo efeito espectacular para enganar parolos, mas era mais simples, mais lógico e, sobretudo, mais revelador das verdadeiras intenções negociais de Moretto - (hoje, tal como Marco Ferreira, benfiquista desde pequenino).

3. Abandonados à sua sorte, os futebolistas profissionais do Estoril-Praia lamentaram que o «accionista principal» (com 60% das acções) não tenha aparecido na hora da verdade, a dar a cara e a responsabilizar-se pelos vários meses de salários em atraso. E porque não apareceu o accionista principal? Porque ele supostamente não o é nem pode sê-lo. Trata-se do Sr. José Veiga, dirigente do Benfica e que, pelos estatutos da Liga, não pode acumular as duas funções e, por isso mesmo, foi dito e anunciado, há mais de um ano, que tinha deixado de as acumular. Afinal, parece que não. Mas, entretanto, já lá vai o célebre jogo deslocado da Amoreira para o Estádio do Algarve e que tanto jeito deu para o título do ano passado. O tal jogo que, a troco da batota desportiva, iria servir justamente para pagar os ordenados aos jogadores do Estoril. Francamente, também, já começam a ser coincidências a mais: onde há ordenados em atraso, aparece sempre o Benfica a tirar partido da situação.

4. 53.000 espectadores na Luz, 42.000 no Dragão, é notável — em contraste com os 14.000 de Braga (a ganância dos bilhetes a 50 euros paga-se e é bem feito). Mesmo assim, juntando estes três números aos resíduos das restantes assistências da 17.ª jornada da Superliga, pode-se dizer que a média andou pelos 15.000 por jogo. Seria reconfortante se a estatística não fosse uma ciência morta. Neste caso, o que a estatística não explica mas confirma é que só temos três ou quatro clubes com sustentação popular para disputar uma primeira divisão. É triste, mas é um facto, que deveria servir de ponto de partida a qualquer reflexão séria sobre a inadiável reforma dos quadros competitivos do futebol profissional.

5. Notável também que, em todos os jogos envolvendo os primeiros da classificação, não tenha havido um só caso de arbitragem. É verdade que Carlos Brito, lá de baixo do banco, viu um penalty que, posso-lhe garantir que, lá de cima da bancada ninguém viu — pelo menos na área do FC Porto. E a dualidade de critério disciplinar de que ele fala, existiu sim, mas a favor do Boavista e, particularmente de Tiago, um jogador que parece ter como principal prazer no futebol distribuir cacetada pelos adversários.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (10/01/2006)

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