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quarta-feira, setembro 28, 2005

MST: Do que o povo gosta

1. Em Montreal, no Canadá, Luís Filipe Vieira anunciou que o Benfica já é o maior clube do Mundo, com 170.000 sócios e 70.000 kits vendidos. Transportado pelo próprio entusiasmo, o presidente benfiquista atreveu-se até a mais um salto qualitativo: este ano o objectivo e a previsão já não são só chegar à final da Liga dos Campeões mas sim vencê-la e fazer do «maior clube do Mundo» o campeão da Europa. Não mais de 30 mil benfiquistas — os que foram ver a estreia do seu clube na Champions — parecem comungar de igual entusiasmo. Mas pode ser que, aproveitando o momento insolitamente negativo que atravessa o Manchester United e as 10 baixas do seu plantel, o Benfica consiga esta noite em Manchester dar mais asas ao sonho presidencial e provar, no próximo jogo caseiro, que «certos estádios fizeram-se para estar cheios».

Sem nada prometer de semelhante, seja pela boca do seu presidente, treinador ou jogadores, e sem andar por aí a lembrar que o campeão do Mundo em título é ele, o FC Porto lá vai continuando a confundir esperanças com realidades. Quarenta e cinco mil espectadores estiveram no primeiro jogo do campeonato no Dragão; 37.000 no segundo; 41.000 no terceiro. Certos estádios fizeram-se para estar cheios: aqueles onde se joga bom futebol.

A receita de sucesso de Co Adriaanse é simples: futebol de ataque garante o espectáculo e o espectáculo garante o público. Dêem ao povo o que o povo gosta e a lua-de-mel será eterna. Houve quem se melindrasse pelo enunciado tão simples da sua receita; houve quem, num assomo de chauvinismo pacóvio, se melindrasse pelo facto de o holandês, tão verde entre nós, já se permitir considerações sobre os males do futebol luso; houve até quem visse nas suas declarações uma forma de desviar as atenções da sua brandura disciplinar contra McCarthy (que, por razões à vista, eles tanto desejavam que fosse levada aos limites...). Mas a vantagem de Adriaanse é esta: jogo após jogo ele mostra que as suas teorias não são apenas teorias mas sim uma filosofia de jogo, uma ideia do que deve ser o futebol e um projecto para salvar o «maior espectáculo do Mundo», que é levada a cena de cada vez que a sua equipa entra em campo. Contra um excelente Belenenses viu-se um FC Porto de ataque continuado, incontrolável, insaciável. As jogadas para o golo sucedem-se, umas a seguir às outras, a imaginação anda à solta como uma febre sem controlo, os 90 minutos sabem a pouco. Dá gosto ver futebol assim! E os leitores que me permitam duas satisfações pessoais acrescidas: primeira, o triunfo do futebol de ataque, de que sou e sempre me confessei adepto incorrigível, contra os «meios campos superpovoados » e o «jogo de contenção» que fazem a doutrina dos nossos treinadores; segunda, a satisfação de ver o que vale um FC Porto com o onze que aqui venho defendendo há dois meses, ou seja, com McCarthy e Quaresma a titulares. Por mais voltas que o futebol dê, hei-de morrer sem que alguém me consiga convencer de que os grandes jogadores devem ceder lugar aos jogadores seguros ou disciplinados.

2. O exemplo prático do FC Porto de Co Adriaanse, a coragem do seu futebol de risco, a beleza dos espectáculos que proporciona e o público que enche o Dragão para o ver vão ser, não tenham dúvidas, o grande motivo de reflexão deste campeonato. Foi porque já o perceberam que os sportinguistas despediram a sua equipa com uma assobiadela, após amagra e frustrante vitória caseira contra o V. Setúbal e depois de terem visto Peseiro a defender o 1-0, em casa e em superioridade numérica, tirando o Liedson para colocar o Beto. Depois de uma época em que dispôs da melhor equipa nacional e jogou o melhor futebol, mas perdeu sempre nos momentos decisivos, José Peseiro acha que a solução é sacrificar o espectáculo e privilegiar os resultados. Depois do desastre contra o Nacional, a ordem parece ser clara: se a equipa está a ganhar por 1-0, defende-se o 1-0, com assobios ou sem assobios. Adriaanse pensa exactamente o contrário: se a equipa está a ganhar por 1-0, é preciso fazer o 2-0, continuando a atacar. Os resultados de ambos esta época já lhes deram razão, a um e outro, alternadamente. Mas não há dúvidas para que lado balança o coração dos adeptos, com qual das filosofias de jogo se defende melhor o futebol e com qual dos dois tipos de espectáculo se traz público aos estádios. Eu estou com as ideias de Co Adriaanse e ainda bem que elas

3. Ao minuto 19 do jogo de Alvalade o árbitro Paulo Baptista resolveu o jogo a favor do Sporting, assinalando penalty contra o Vitória e expulsão do guarda-redes setubalense. Resolveu-o, diga-se, de acordo com as regras e, portanto, nada há a dizer contra a decisão dele: considerou que Deivid foi tocado pelo guarda-redes, quando estava em posição de marcar golo, e, sendo assim, as regras mandam que assinale penalty e mostre o vermelho ao infractor. Não é a decisão do árbitro que está em causa mas a própria regra. Esta regra é equívoca, injusta e contra o espectáculo. Equívoca porque exige do árbitro um juízo de valor totalmente subjectivo, as mais das vezes fundado num palpite: o jogador derrubado estaria ou não em posição flagrante de poder marcar golo? Cada cabeça sua sentença — o que, numa decisão de tal forma gravosa, não é recomendável... Injusta porque, na prática, equivale a duas penalidades máximas na mesma jogada: a expulsão directa e o penalty. Faz muito mais sentido que o vermelho directo seja mostrado fora da área, a quem derruba um jogador que se vai isolar, que dentro da área. Porque, dentro da área, o penalty dá quase sempre como resultado um golo, enquanto o livre fora da área só raramente tem essa consequência. Um critério de adequação da justiça estabeleceria como regra que este tipo de jogada, se cometido fora da área, devia dar lugar a livre directo e expulsão e, se cometido dentro da área, a penalty e cartão amarelo.

Enfim, a regra em vigor contribui claramente para estragar o espectáculo, já que oferece uma clara oportunidade de golo a uma equipa e, simultaneamente, uma superioridade numérica que, se adquirida logo de início, como sucedeu em Alvalade, desequilibra o jogo e condena a equipa do infractor a remeter-se à defesa até final.

Mas esta regra tem também um mal acrescido: é que, ponderando todas as suas consequências para o próprio jogo, há muitos árbitros, incluindo alguns dos mais conceituados do Mundo, que se recusam a aplicá-la em todo o seu rigor: ficam-se pelo penalty e pelo amarelo. Mas como, apesar de muitos, não são todos, e há sempre os outros, como Paulo Baptista, que seguem a lei à letra, está estabelecido um critério aleatório, variando de árbitro para árbitro, com toda a incerteza e toda a injustiça a que isso se presta. Anteontem o Sporting beneficiou, e sem contestação possível, de um critério estrito do árbitro nesta matéria. Mas se amanhã o critério for outro, ou for o mesmo contra o Sporting, lá virá o inevitável dr. Dias da Cunha bramar contra a arbitragem e o sistema. Esperem para ver...

4. Só um grande profissional, um grande jogador e um grande atleta, como o é Marco Aurélio, poderia atingir a marca impensável de 200 jogos consecutivos na I Liga, SuperLiga ou BetandWin qualquer coisa. Duzentos jogos são seis anos e meio a defender as balizas, sem falhar um jogo, por lesão ou por castigo. E, 200 jogos depois, aos 35 anos de idade, ele ainda prova que pode ser o melhor da equipa, como o foi sábado passado, na visita ao Dragão. Eis alguém que certamente merece cada euro que ganha.

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (27/09/2005)

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