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quarta-feira, novembro 09, 2005

MST: De cima para baixo

«1. Vi o Braga jogar logo no início do campeonato, em casa contra o FC Porto, e o que vi foi a equipa defender, defender, defender, até sair como nulo que unicamente ambicionou. Este fim-de-semana, voltei a ver o Braga, em novo teste difícil, contra o Marítimo. E a história repetiu-se: defendeu, defendeu, defendeu, com dois fogachos inconsequentes apenas na segunda parte. Mas, desta vez, encaixou a primeira derrota do campeonato e sem que tivesse a menor razão para as habituais queixas nestas circunstâncias de forças estranhas que não nos deixam ir mais longe — antes pelo contrário, deve à benevolência de Lucílio Baptista, o pior árbitro português em actividade, o facto de não ter tido de jogar 80 minutos com 10 jogadores. No final, ouvi Jesualdo Ferreira a queixar-se de ter perdido um jogo em que o adversário não fora superior e a jurar que o Braga tinha dominado toda a segunda parte e criado suficientes oportunidades para empatar ou ganhar. Concluí que vimos jogos diferentes, mas também que os restantes jogos do Braga, que eu não vi, não terão sido muito diferentes...

2. Ex aequo com o Sensacional da Madeira, na segunda posição, está o FC Porto, graças à vitória obtida em Paços de Ferreira, à custa de um bom quarto de hora inicial, mais um rasgo de inspiração de Quaresma, e depois mais de uma hora de futebol soporífero (e em que, diga-se em abono da verdade, o adversário conseguiu fazer ainda pior, não tendo criado uma única oportunidade de golo em todo o jogo). Com essa desmaiada vitória, Co Adriaanse saiu vivo, depois da inacreditável barracada que fez em Milão, onde não houve asneira que não tenha ensaiado, arrastando a equipa uma vez mais para a derrota e desmentindo todas as suas teses sobre o futebol de ataque. A grande verdade é que hoje ninguém é capaz de prever o que vai fazer o FC Porto, jogo a jogo. Ninguém é capaz de prever, sequer, qual vai ser o sistema de jogo, a estratégia, a equipa. Manifestamente, Adriaanse está à toa, com tiques de ditador desnorteado e perdido — como aliás vai sendo bem visível na própria expressão da sua cara, durante os jogos. Jogadores que eram indiscutíveis desaparecem de repente, como se excomungados no acto: já calhou a vez a Postiga, Raúl Meireles, Paulo Assunção, Ricardo Quaresma, César Peixoto, Ibson, Lizandro López, Ricardo Costa, Bruno Alves, e agora, McCarthy e Diego. Em contrapartida, outros que acumulam desastre sobre desastre, como Bosingwa e Jorginho, mantêm-se de pedra e cal... até que ele acorde um dia maldisposto ou com um ataque de lucidez e os varra de imediato para a equipa B ou arredores. Nesta completa roleta-russa em que se transformou a definição de um onze-base (?), ninguém consegue entender os critérios das entradas e saídas, se o homem prefere jogar com dois pontas-de-lança ou só um, com dois extremos, um ou nenhum, com dois, três, quatro ou cinco médios, com dois ou com três centrais. A única coisa segura é que joga só com um guarda-redes, porque isso não pode evitar. Aos poucos, Adriaanse está a tornar-se no factor de perturbação da equipa. E eu que tanta esperança tinha nele...

3. Em quarto lugar, temos o Benfica, que escapou com danos graves de uma semana igualmente complicada. Depois do empate na Figueira e do balde de água gelada servido pelo Villarreal, teve o azar de apanhar um falso jogo fácil em casa, contra uma das equipas mais bem treinadas e que melhor futebol jogam. O Rio Ave dominou, de facto, o jogo da Luz, sem recorrer à táctica do autocarro, sem jogo faltoso, sem simulações de lesões nem perdas de tempo, antes ocupando o campo todo e nunca desistindo de atacar. Se o empate contra a Naval tinha sido injusto para o Benfica, o empate contra o Rio Ave foi feliz. Por isso, fica mal aos responsáveis do Benfica o recurso à eterna desculpa da arbitragem para justificar um resultado que, pelo futebol visto, acabou até por ser lisonjeiro. Mas o jogo da Luz suscitou-me, de facto, várias questões técnicas ao nível da arbitragem, de que desconheço a resposta e gostaria de ver esclarecidas. A primeira questão tem que ver com o segundo golo do Rio Ave, julgado offside pela generalidade da crítica, pois que, quando a bola é cruzada para a área do Benfica, Gaúcho, que estava deslocado, vai passá-la a Chidi, que faz o golo. Se o lance se tem passado assim, não há dúvida de que há offside. Mas, se bem vi e julgo que sim, há uma diferença, que faz toda a diferença: quando a bola é cruzada, Chidi está em jogo e Gaúcho está, de facto, adiantado. Mas a bola não vai para Gaúcho e sim para Chidi, que depois a passa àquele, que entretanto já estava em posição correcta. Gaúcho devolve a seguir a Chidi, que faz o golo. Ou seja: enquanto está deslocado, Gaúcho não tem interferência alguma na jogada, e quando a tem, já está em posição correcta. Deve ou não considerar-se que tirou vantagem da posição inicial? A segunda questão tem que ver com o primeiro golo do Benfica, resultante de um livre directo sobre o limite da área. Ficaram dúvidas na altura se a falta teria sido sobre a linha da área ou fora dela, e um dos comentadores da TVI afirmou que tinha sido sobre a linha e logo era penalty. A minha pergunta é simples: a linha limite da área faz parte da área ou é fora dela? A terceira dúvida tem que ver com o segundo golo do Benfica, igualmente resultante de um livre directo sobre o limite da área. Mas esse livre é ocasionado por uma emergência defensiva (ficou ainda a dúvida se com falta ou sem ela), motivada pela cobrança imediatamente anterior de um outro livre, quatro metros atrás, e que os jogadores do Benfica marcaram sem dar tempo à formação de barreira defensiva, sem apito do árbitro e até, pelo que me pareceu, sem a bola estar parada. Foi assim recordo, que há cinco anos, o Boavista venceu o FC Porto no Bessa e, com essa vitória, veio a ser campeão com um ponto de avanço sobre os portistas. Pergunto-me se nos livres frontais à baliza e próximos da área os árbitros devem ou não esperar que a barreira se forme e só consentir a cobrança após o seu apito? É que uns fazem uma coisa e outros fazem outra e até já vi, como nesse Boavista-Porto, o mesmo árbitro seguir critérios diferentes no mesmo jogo...

4. E em quinto lugar está o periclitante Sporting, que lá ganhou ao Leiria, sem que desta vez se tenham ouvido queixas contra a arbitragem... Mas querer comparar aquele golo não assinalado ao Leiria e em que todas as imagens mostram que a bola é sacada pelo menos uns 70 centímetros de dentro da baliza, com aquele suposto golo consentido pelo Baía na Luz no ano passado e que nenhuma imagem até hoje conseguiu comprovar, é, no mínimo, querer confundir as coisas deliberadamente.

5. As dúvidas levantadas por Alexandre Magalhães às contas divulgadas pela SAD do FC Porto são legítimas, pertinentes e demasiado sérias para serem tratadas nos termos displicentes em que o fez a comissão de vencimentos da SAD. Não defendo que os administradores das sociedades desportivas não devam ser remunerados, como os de quaisquer outras sociedades. Mas os números divulgados por Alexandre Magalhães são impressionantes e para mais acrescidos de participação nos lucros relativos ao exercício de 2003/04. Aqui cabe perguntar como é que um só exercício positivo, entre tantos negativos, confere direito a gratificação e como é que uma sociedade que jamais distribuiu ou distribuirá dividendos pelos seus accionistas e cujas acções valem metade do preço de subscrição, se permite distribuir gratificações pelos seus administradores — sobretudo quando tem um passivo acumulado de 122 milhões de euros. E também é legitimo perguntar como é que, após dois anos plenos de receitas extraordinárias, o passivo, em lugar de diminuir, aumentou. Esperam-se esclarecimentos.»

Miguel Sousa Tavares, in A Bola (9/11/2005)

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