MST: Elogio dos «Grandes»
«1. Dois jogos, vistos televisivamente este fim-de-semana, serviram para reforçar a ideia que há muitos, muitos anos, defendo, antes de ter virado quase consensual: a necessidade e enorme vantagem competitiva que resultaria de reduzir a I Liga a 12 clubes.
Quer o FC Porto-Vitória de Setúbal quer o Naval-Benfica mostraram à exuberância a pobreza em que o jogo pode cair, quando uma das equipas luta apenas pelo pontinho e não pelos três pontos (e já nem digo pelo espectáculo...). É claro que, do ponto de vista das equipas pequenas, a atitude é legítima e compreensível: quando não se tem armas para atacar, defende-se. Mas, apesar de tudo, há uma diferença entre uma equipa se ver, no decurso do jogo, forçada a recuar e apenas defender por pressão do adversário, ou entrar já em campo deliberadamente disposta a renunciar a qualquer veleidade de vitória e se limitar à táctica que José Mourinho baptizou de «autocarro estacionado em frente da baliza».
No Dragão, embora Norton de Matos tenha dito que o que sucedeu é que o FC Porto empurrou o Vitória para trás durante o jogo inteiro, a mim o que me pareceu é que os seus jogadores não se importaram nada de ser empurrados para trás e não foi, seguramente, por força do vento ou do adversário que o Vitória disputou o jogo com nove, e às vezes, dez jogadores, sempre à espera da bola e do adversário na zona da sua grande área. E a prova que poderiam ter feito diferente é que, nos cinco minutos finais e como forma inteligente de aliviar uma pressão insuportável, escolheram finalmente abrir-se um pouco em todo o campo, tendo conseguido até o seu único remate à baliza... ao minuto 93!
É evidente que, mesmo assim, o FC Porto poderia ter ganho o encontro: bastaria que o árbitro tivesse visto um de dois penalties a favor não assinalados (ó contabilistas selectivos: anotem estes dois pontos...), ou que um dos 17 cantos ou dos 16 remates tivesse dado golo. Ou, melhor ainda: que o F C Porto não voltasse a mostrar quão distante anda daquele futebol feito de técnica em velocidade permanente, aquele carrossel ofensivo do princípio da época que tanto me empolgou. Nenhuma dúvida que esse futebol que gerou tanta admiração e tanta controvérsia, parece, pelo menos momentaneamente, perdido pelas sucessivas traições defensivas, que obrigaram a tudo rever e tudo acautelar. Mas também há que ser justo e reconhecer que é bastante mais difícil atacar um jogo inteiro contra o autocarro do que defender um jogo inteiro instalado dentro do autocarro. Para resultar em golos o futebol precisa de espaços e, paradoxalmente, com a táctica do autocarro a única equipa que dispõe sempre de espaço para atacar... é a dona da viatura.
Na Figueira da Foz, o enredo foi o mesmo, com a agravante de o Benfica ter de fazer as despesas todas do jogo num campo de dimensões reduzidas e transformado em qualquer coisa de intermédio entre um prado e um batatal. E, por aqui justamente, se começa a ver os malefícios de haver demasiadas equipas na I Liga e de o seu critério de selecção ser apenas o da classificação. A Naval não tem um campo com condições para a I Liga. Daí não vem mal ao mundo: ninguém deve ter vergonha por ser pobre. Só que também não é possível defender o futebol, o espectáculo e a presença de público nas bancadas quando se tem para oferecer um campo de dimensões reduzidas, com um relvado onde é impossível jogar bem e que, por vezes, chega a parecer que é maltratado de propósito para defender o mau futebol contra o bom (há dias, um treinador de uma equipa pequena que recebeu um grande dizia que nem sequer tinha estragado deliberadamente o relvado durante a semana: registe- se o seu desportivismo e a confissão de que há tácticas ocultas para além daquelas que se vêem em jogo...).
Tanto a Federação como a Liga sempre foram avessas à diminuição do número de clubes no escalão superior e dito profissional. Porque cada clube é um voto e, quanto mais clubes pequenos houver a votar, maior a possibilidade de aliciar o seu voto. Por isso é que há clubes a disputar a I Liga sem dinheiro para pagar salários, por isso é que há clubes que não cumprem sistematicamente as suas obrigações fiscais, com a íntima colaboração da Liga, por isso é que há campos sem condições para jogar futebol de primeira, por isso é que se permite escandalosamente que o preço de um bilhete para uma bancada coberta na Luz ou no Dragão custe o mesmo que para uma bancada onde chove, no campo da Naval. E por isso é que, mesmo um clube como a Naval, em ano de estreia na I Liga, e mesmo contra Benfica e F C Porto, não consegue encher nem metade das bancadas.
Para a história fica o sagrado pontinho sacado por Setúbal e Naval ao F C Porto e Benfica e dois empates injustos que estes tiveram de encaixar. Mas fica também a certeza de que, à vista de todos, quem deveria estar atento e colher as lições de casos como a da irresponsável gestão do Vitória de Setúbal, vai assistindo, tranquilamente, à programada liquidação do futebol profissional como espectáculo de massas.
2. Ainda sobre a Naval-Benfica, há outro tema que dá que pensar: como se justifica que a Naval, que nem sequer tinha jogado para a Taça a meio da semana, tenha dado o estoiro a vinte minutos do fim, e o Benfica, que tem a Taça e a Liga dos Campeões, não? Quando Jaime Pacheco explica a derrota caseira do Guimarães às mãos do Paços de Ferreira como cansaço do jogo europeu de dez dias atrás, fica por explicar porquê o cansaço não é igual para todos. Porquê equipas como o Benfica e o FC Porto, que estão a jogar ao mais alto nível europeu, que têm sistematicamente os seus jogadores mais influentes a jogar nas Selecções, ainda aguentam fazer jogos inteiros a pressionar e a atacar, e os pequenos, que não têm essa sobrecarga e cujo tipo de jogo é muito mais descansativo, dão o berro quando jogam contra os grandes?
Manuel Cajuda, que tanto gosta de se ouvir falar, poderia falar sobre isto. É que, se todos compreendemos que, quem não tem grandes jogadores na equipa não se pode bater tecnicamente de igual para igual com os grandes, já não se percebe porquê também fisicamente não se conseguem bater. Que eu saiba, a preparação física não depende da qualidade futebolística dos atletas: depende sim da quantidade e aplicação no esforço dispendido durante a semana.
(Já agora, gostava também que Manuel Cajuda, que, no final, quase pedia desculpa à «Instituição» por lhe ter roubado dois pontos — ele que se confessou benfiquista de coração, assim como toda a família e o próprio cão — explicasse como é que conseguiu não ver que o grande perigo do Benfica, na última meia hora, vinha da liberdade concedida a Nélson, que corria livremente pelo corredor direito fora, ali mesmo, junto ao banco do treinador da Naval? Que tal ter posto ali alguém, naquela auto-estrada desguarnecida, para travar o Nélson ou ameaçar o flanco aberto pelas suas subidas?).
3. Carlos Freitas, novo director do futebol do Sporting, viu mãozinha do árbitro no empate conquistado no Bessa. Diz ele que poderiam ter chegado ao 0-3 se o árbitro tem assinalado um muito discutível penalty na área do Boavista. Mas esqueceu-se de dizer que nunca teriam chegado ao 0-2 se o árbitro não tem assinalado um canto que não existiu e não tivesse depois deixado de ver a falta atacante que precedeu o golo na cobrança do canto. Vira o disco e toca o mesmo.»