MST: Regresso à normalidade
«1. A jornada 22 do campeonato veio repor a hierarquia habitual do nosso futebol, deixando os três grandes lá em cima, ordenados pela respectiva ordem de grandeza (isto é uma piada a benfiquistas e sportinguistas...). Jogando muito pouco e marcando em dois livres, o Sporting desembaraçou-se naturalmente de um Vitória de Setúbal que, depois do raide benfiquista às suas fileiras, consentido e promovido pelo inesquecível Chumbita Nunes, entrou em queda vertical. Jogando mais que o habitual e com menos azar e revoluções estratégicas que o costume, também o FC Porto cumpriu a sua obrigação de vencer um Belenenses que é uma equipa cuja permanência mais ou menos tranquila na primeira divisão só por si demonstra como é fraca a nossa Liga. E, jogando em casa contra o já condenado Penafiel, o Benfica ganhou também sem problemas de maior, muito embora o resultado seja francamente desproporcionado face ao que se passou e bem pudesse ter sido dispensado aquele terceiro golo, que deve ficar como exemplo extremo daquilo que o futebol não pode ser (tivesse sido o Penafiel, ou qualquer outro adversário, a marcar assim e o Estádio da Luz vinha abaixo). Cabe, entretanto, uma palavra de elogio ao presidente do Penafiel, o antigo e excepcional jogador António Oliveira, que assumiu tranquilamente a mais que provável inevitabilidade da descida, evitando a saída fácil de despedir o treinador, as loucuras de contratações que depois não poderiam ser sustentadas na Liga de Honra, e evitando também o recurso habitual de atirar para cima das arbitragens a responsabilidade pelo inêxito. Até porque, como ele diz, há mais honra em descer à Honra sem dever nada a ninguém que em ficar na Betandwin devendo dinheiro a todos. Recado entregue a muita gente com orelhas a arder. No grupo imediatamente abaixo os resultados da jornada foram diferentes. Enquanto o Boavista somou a quinta vitória consecutiva e já só está a um ponto da zona europeia, confirmando os créditos de Carlos Brito, já o Sp. Braga, mesmo jogando em casa e contra 10 durante meia hora, perdeu dois pontos, que não chegam para compensar o ponto que tão injusta e falsamente conquistara uma semana antes, no Dragão. Tendo vendido quase toda a defesa no defeso de Natal, parece inevitável que tenha iniciado uma curva descendente, que, a consumar-se, será de difícil travagem e difícil digestão. Enfim, o Nacional sucumbiu com aparato, após uma terrível semana passada entre Alvalade e a Luz, com apenas um golo sofrido em 220 minutos de jogo!
2. A derrota do Nacional na Luz, nos penalties, e a derrota ao cair do pano do Paredes em Alvalade fazem-me lembrar a remodelação que há muito defendo no injustíssimo regulamento da Taça de Portugal. Defendo a introdução de um sistema duplo: primeiro com discriminação positiva a favor dos mais fracos; e depois, já no final, com igualitarização dos quatro semifinalistas. Assim: até às meias-finais as eliminatórias, a um só jogo, seriam sempre no terreno do clube de divisão inferior ou, sendo ambos da mesma divisão, no terreno daquele que, no momento do sorteio, estivesse mais mal classificadono respectivo campeonato. Quanto às meias-finais, seriam jogadas a duas mãos. Isto permitiria, por um lado, descentralizar e democratizar a Taça, levando-a, regularmente e não excepcionalmente, a lugares onde o grande futebol não chega, e, simultaneamente, dar mais interesse desportivo e mais emoção à competição e, eventualmente até, melhores receitas aos clubes. Por outro lado, o facto de as meias-finais serem a duas mãos daria mais verdade desportiva ao desfecho e mais mérito aos finalistas do Jamor, para além de reintroduzir, ao menos por uma eliminatória, o sistema de eliminação a duas mãos, que actualmente, e com grande saudade minha, não existe em competição alguma. Este sistema tornaria impossível, por exemplo, voltar a suceder aquilo que sucedeu ao Benfica há dois anos, quando a sorte nos sucessivos sorteios o levou até à final sem nunca ter saído da Luz (e até a final foi jogada no seu campo de treinos habitual, o Estádio Nacional, e, visto o outro finalista ser o FC Porto, escolheu-se para árbitro Lucílio Baptista, que actuou conforme a expectativa). Seguramente que, de todos os troféus arrecadados no Estádio da Luz, este foi aquele cuja conquista menos mérito teve.
3. Não tivesse eu visto na televisão o Inter-Juventus e teria acreditado nas patrióticas descrições dos correspondentes da nossa imprensa desportiva, que fizeram de Figo o «autor de meio golo» e senhor de uma notável exibição, a destoar de todos os outros da equipa. Não vi nada disso, vi que o Inter não jogou nada e Figo teve um ou outro fogacho inconsequente e marcou um canto banal a que o seu colega Walter Samuel correspondeu com um cabeceamento superior — o tal meio golo de Figo. Este patrioteirismo jornalístico, que leva a escrever coisas como «o treinador do Milan optou por fazer descansar Rui Costa», quando ele simplesmente optou por deixá-lo no banco de suplentes, não ajuda a termos verdadeira compreensão do que se passa e até talvez, em alguns casos, tenha contribuído para dar aos nossos candidatos a emigrantes futebolísticos uma falsa impressão de facilidades de triunfar lá fora, que depois se transforma em amargas ilusões. Veja-se o sucedido com a legião portuguesa do Dínamo de Moscovo — em que Costinha acaba de ser a última baixa — e cuja imagem deixada por terras da Rússia deve ter assegurado o fim definitivo daquela galinha dos ovos de oiro. E, por falar em emigrantes do futebol, há coisas que dão que pensar. Quantos italianos alinharam de início pelo Inter contra a Juventus? Um. Quantos ingleses alinharam pelo Chelsea contra o Liverpool? Um. Quantos portugueses alinharam de início pelo Benfica contra o Penafiel? Dois. O capital não tem pátria, o futebol também não. Nós, os espectadores, é que nos esforçamos por fingir que não vemos.
P. S. — Manuel Fernandes, Marcel e Simão estão em risco: se levarem mais um amarelo não jogam contra o FC Porto, na Luz. Vamos ficar muito atentos à arbitragem do V. Guimarães-Benfica.»