MST: Não basta ganhar
«1. Em Liverpool, Luís Filipe Vieira teve uma jornada em cheio, ganhando ao mesmo tempo em vários tabuleiros. Primeiro, e obviamente, ganhou o jogo e a eliminatória com tudo o que isso representa para o Benfica em termos de notoriedade prestígio e ganhos financeiros. Em segundo lugar, ganhou duas apostas individuais: uma, em Simão Sabrosa e na decisão de não o ter vendido em Janeiro, precisamente para o Liverpool. Quando se quer fazer carreira na Europa é essencial gerir bem o tempo certo para vender os grandes jogadores: pressionado por todos os lados, também Pinto da Costa recusou vender Deco em 2003 e isso valeu-lhe a conquista da Liga dos Campeões. A outra aposta individual ganha é, a meu ver, a de Ronald Koeman. Eu sei que muitos benfiquistas que já lhe tinham encomendado a alma antes da vitória sobre o Manchester e da recuperação no Campeonato continuam cépticos e voltaram a alimentar as suas dúvidas ou discordâncias após a derrota com o Sporting, ou mesmo após este empate com a Naval. Mas Koeman tem mostrado que, tal como se diz dos grandes jogadores (veja-se o caso de Simão, justamente), também ele é homem dos grandes jogos. Talvez lhe falte a ciência de jogar internamente contra equipas-autocarro — uma espécie de jogo, ou de antijogo, a que, de facto, os holandeses não estão habituados. Mas nos grandes jogos, e ao contrário do seu compatriota Adriaanse, ele tem mostrado que sabe o que fazer e que nada acontece por acaso. É verdade que teve muita sorte nos primeiros vinte minutos de Anfield Road, como ele próprio reconheceu, mas a partir daí foi claro que Koeman sabia exactamente o que esperar do Liverpool e preparou-se para os enfrentar e derrotar.
Porém, não ficaram por aqui os motivos de satisfação pessoal do presidente benfiquista. Aproveitando a social opportunity da deslocação a Liverpool, ele levou consigo todos os presidentes que votam na Liga de Clubes — com excepção de Sporting, FC Porto e do próprio presidente da Liga — e deve ter trazido consigo na bagagem, a troco da viagem, de uns almoços e da oportunidade de projecção social, o número suficiente de votos para garantir que, nas próximas eleições, por si ou por pau-mandado, o Benfica passará a dominar por completo a Liga de Clubes. Sozinho, desta vez, sem necessidade de fazer sociedade com o Boavista ou o major.
Com tantos triunfos simultâneos garantidos à conta de uma simples deslocação a Liverpool, o presidente do Benfica sentiu-se imediatamente tão «confortável», como dizem os banqueiros, que desatou imediatamente a disparar sobre os não-presentes na comitiva: partiu para Liverpool com um insólito comício em pleno aeroporto, cujo objectivo era ofender o presidente do FC Porto e diminuir o presidente da Liga — o seu aliado de ontem, hoje descartável; e regressou de Liverpool para logo se lançar num descabelado e deselegantíssimo ataque ao presidente do Sporting, seu amigo de ontem, a propósito da questão de saber qual dos dois clubes estará mais falido e qual deles terá recebido mais ajudas da Câmara de Lisboa, para o respectivo estádio (aqui, eu posso ajudar, tendo feito as contas: cerca de 13 milhões de contos, em dinheiro ou espécie, recebeu o Benfica, e cerca de 7 milhões o Sporting).
Ora, este comportamento do presidente do Benfica dá que pensar, sobretudo por ter sido numa altura em que ele deveria estar bem disposto, tranquilo, satisfeito por ver resultados do seu esforço à frente do clube. E não me custa nada reconhecer o que, aliás, já aqui escrevi anteriormente: acho que Luís Filipe Vieira tem feito um trabalho notável no Benfica. Está a ressuscitar o clube, à custa de uma dedicação incansável, como ainda agora se viu, chegando de Liverpool para partir menos de 48 horas depois para a China, ao serviço do Benfica. Além disso, tem tido ideias e iniciativas, onde anteriormente, só havia espalhafato e incompetência, e não consta que receba ordenado nem comissões ou participação nos lucros.
Só que, aparentemente, o presidente do Benfica, habituado a subir a pulso na vida, não se dá mal com o esforço, mas dá-se mal com a recompensa. Não sabe ganhar, da mesma forma que sabe lutar pela vitória. É claro e nítido que ele não quer apenas recuperar o Benfica, mas quer também mandar em todo o futebol português, através do controlo da Liga, como aliás disse desde logo. É clara e nítida a influência determinante que o Benfica já tem hoje em sectores decisivos dos bastidores do futebol (basta ver como o José Veiga se dirige aos árbitros, como se fossem seus empregados, quando não gosta do trabalho deles...). Mas parece que isso não basta: Vieira agora quererá o poder todo para si, despreza os aliados de ontem e quer ver os inimigos, não apenas vencidos no campo, mas pessoalmente arrasados. É capaz de ser palha de mais para a sua carroça.
O presidente do Benfica, digo eu, deveria talvez meditar nas razões pelas quais o seu antecessor Borges Coutinho foi campeão da Europa e pôs o país inteiro a admirar e a respeitar o Benfica. E deveria meditar naquilo que Bobby Robson, um cavalheiro do futebol, disse acerca de José Mourinho, seu antigo discípulo e actual amigo: que, se quer ser respeitado e admirado em Inglaterra, inclusive para benefício do Chelsea, não basta a Mourinho ganhar — tem também de saber ganhar, e, quando for o caso, de saber perder. Om undo inteiro acaba de ver que o Barcelona foi, em dois jogos, melhor equipa que o Chelsea e com um futebol muito mais atractivo. Só Mourinho continuou a insistir que o que fez a diferença foi a expulsão de Del Horno em Stanford Bridge — e mesmo essa, foi ele o único a não reconhecer que tinha sido justa. Independentemente da nossa fatal inclinação para estarmos sempre do lado dos compatriotas no exílio, é forçoso reconhecer que Mourinho se tem posto demasiadas vezes a jeito para levar com a enxurrada de críticas da imprensa inglesa. Certamente que muitas delas são movidas pela inveja ou pela xenofobia, mas também não há dúvida alguma de que os ingleses, alguns pelo menos, não têm o fair play como expressão de circunstância. Quando não se sabe ganhar, quando se confunde orgulho com arrogância, pode-se até ganhar tudo, mas os únicos que hão-de admirar as vitórias são os da própria tribo.
2. Numajornada sem nenhum interesse, registei: — o chatíssimo jogo de Setúbal, onde o FC Porto só podia naturalmente vencer;
— a sétima vitória consecutiva do Sporting sobre um Boavista desfalcado e através de mais um jogo sem classe e com discretas, mas importantes, decisões favoráveis da arbitragem (as quais, passam naturalmente em silêncio, por parte dos dirigentes leoninos, sempre prontos a inversamente reclamarem aos gritos, nem que seja um canto mal decidido);
— o habitual e comovente esforço dos comentadores televisivos para desculparem as más exibições do Benfica com pretensos erros de arbitragem, cujo juízo chega a ser despudorado (olha, se fossem eles a arbitrar os jogos do Benfica!);
— a total incapacidade e falta de vontade de jogadores como os da Naval ou Setúbal – apesar de tudo, profissionais da I Liga – de terem o mínimo de cultura de futebol de ataque, com verdadeiro terror de ultrapassar a linha de meio campo e fazendo remates à baliza que envergonhariam qualquer miúdo de liceu. Se é para isto que querem estar na Superliga, mais valia não estarem.»