MST: De longe vê-se melhor
«1. Parece ser sina minha nos últimos dois anos estar sempre longe quando o FC Porto joga encontros decisivos. No FC Porto-Benfica do ano passado, estava no Brasil e segui o jogo... por telemóvel, por não ter conseguido encontrá-lo em transmissão local. No FC Porto-Once Caldas, que atribuía o título mundial, estava a caçar perdizes na Serra de Mértola e, por opção própria, voltei a seguir o jogo por telemóvel, porque, por maior que seja a minha paixão pelo futebol e pelo FC Porto, jamais, em meu perfeito juízo, trocarei uma caçada às perdizes em Mértola por um jogo de futebol — mesmo que ele possa atribuir o título de campeão do mundo ao meu clube. Este ano, no FC Porto-Benfica de tão triste memória, felizmente estava outra vez a caçar perdizes, desta vez na região da Beira Baixa. E agora, calhou voltar a estar no Brasil, a quando do «jogo do título», entre Sporting e FC Porto.
Mas desta vez não me preocupei muito, porque, tendo desde há vários anos deixado de frequentar Alvalade — que considero o pior ambiente para poder viver um jogo de futebol, com um público doente de facciosismo como em lado algum — era pacífica a decisão de ver o jogo através da televisão e, de passagem pelo Rio de Janeiro, tanto me fazia ver lá como à distância de meia dúzia de quilómetros de Alvalade. Assegurei-me previamente de que o hotel tinha RTP-Internacional e mais tranquilo fiquei quando, chegado de véspera, liguei para o canal português e vi a promoção «não perca o Sporting-FC Porto de amanhã, aqui na RTP-Internacional».
À hora do jogo, ligo o canal RTP e... nada. Nem jogo, nem uma explicação. Pior: a promoção à transmissão continuava, embora o jogo já tivesse começado e a transmissão não. Percebi então que a transmissão seria em diferido, se bem que não dissessem a que horas, e de novo me vi forçado a ir seguindo as incidências do jogo por telemóvel, directamente para um amigo portista, que estava clandestino entre os cativos do Sporting e que, bastante assustado, me ia sussurrando informações. Entretanto, continuava ligado à RTP-I, na esperança de que, a qualquer momento, iniciassem a transmissão em diferido. Nesse entretanto, foi-me dado ver uma vez mais a linha editorial da RTPI. E o que vi serviu para voltar a confirmar o que já sabia: aquilo envergonha Portugal. E agora, que este artigo de A BOLA já poderá ser lido pelas nossas comunidades emigrantes dos Estados Unidos, eu queria deixar-lhes aqui esta mensagem: não acreditem no Portugal que a RTP-I leva até vós — esse Portugal já não existe há muito e felizmente. Esse Portugal provinciano, atrasado, bafiento e salazarento, dos campanários em pôr do Sol, os pescadores a saírem para a faina em «fade out» com florzinhas em primeiro plano, os programas humorísticos e musicais rascas como na televisão do Ramiro Valadão, as entrevistas subservientes feitas por serventuários do jornalismo a «líderes» da comunidade emigrante, enfim, esse Portugal de antanho que vocês deixaram para trás há décadas já não existe, excepto nos brilhantes cérebros dos responsáveis da RTP-I. Numas coisas estará melhor, noutras pior, mas definitivamente está morto e enterrado. E é pena que o canal que os contribuintes portugueses pagam para levar a imagem de Portugal ao mundo não só não transmita em directo os jogos de futebol que interessam aos milhões de portugueses espalhados por aí, como ainda se dedique a levar-lhes uma imagem falsa e deprimente de um país que se calhar era assim que eles queriam que continuasse a ser. A RTP-Internacional é um canal antiportuguês, ao serviço da mediocridade, da preguiça e do antigamente.
2. Lá pelas onze da noite, no Rio, consegui finalmente ver o jogo em diferido, já mais do que digerido o resultado. Do que vi, confirmei, desculpem-me lá, a justeza da pré-análise que aqui tinha feito ao jogo: que era fácil vencer este Sporting ou, pelo menos, evitar que ele ganhasse. Bastava aplicar as mesmas armas que o Sporting vinha aplicando ao longo do Campeonato: jogar em contenção e esperar pelo erro alheio. Foi o que Co Adriaanse se dispôs finalmente a fazer e, por isso, ganhou o primeiro «clássico» e, com ele, o Campeonato. O jogo teve assim nenhuma oportunidade para o Sporting e duas para o FC Porto e foi uma profunda chatice. Mas, sobre o mérito da vitória portista, ninguém teve dúvidas, excepção feita ao inevitável Ricardo. Já Paulo Bento, foi sério na hora da derrota.
Acertei também na previsão de que o FC Porto não terminaria o jogo com onze, graças à necessidade que Duarte Gomes sentiu de, no espaço de três minutos, inventar dois amarelos a Bosingwa, para compensar a expulsão, essa justíssima, de Sá Pinto. E falhei na previsão de que, se perdessem, os sportinguistas atribuiriam a derrota ao árbitro — mas apenas pela incontornável razão de que não tiveram a mais pequena razão de queixa do árbitro.
Para o «jogo do título», entre um clube de Lisboa e outro do Porto, a Comissão de Arbitragem rompeu coma tradição estabelecida do «impedimento geográfico» e nomeou um árbitro de Lisboa. A decisão foi saudada por todos os comentadores lisboetas, ninguém estranhando que se tenha logo escolhido o tal «jogo do título» para inaugurar novas regras. E, quando o árbitro escolhido se lesionou e foi substituído por outro, coincidentemente também de Lisboa, toda a gente continuou a achar normal e saudável, muito embora Duarte Gomes não pudesse apresentar currículo semelhante ao de Pedro Proença. Pois, tudo normal e saudável... E, se tem sido ao contrário? Se tivesse sido escolhido um árbitro do Porto e, na impossibilidade deste, a segunda escolha fosse também um árbitro do Porto? Será que, por exemplo, os responsáveis sportinguistas teriam mantido sempre o olímpico silêncio que mantiveram os responsáveis portistas?
3. Uma coisa é pacífica: não há ninguém que possa atribuir um só ponto conquistado pelo FC Porto à arbitragem. Duvido que algum outro clube se possa gabar do mesmo e isso faz toda a diferença em relação ao Campeonato e ao campeão do ano passado. Ao contrário do Benfica em 2005, o FC Porto não acaba o Campeonato com os seus últimos doze golos todos marcados de penalty ou de livre à entrada da área. Aliás, em matéria de penalties, o FC Porto — apesar de ter o melhor ataque do Campeonato e, unanimemente reconhecido, o sistema mais ofensivo de todos — teve apenas um penalty assinalado a seu favor. O Sporting teve seis e o Benfica oito. Há estatísticas que matam...
4. O FC Porto (e isso é um indiscutível mérito de Co Adriaanse) é também a equipa mais disciplinada deste Campeonato. A que menos cartões tem, a que menos faltas comete. Esse facto tem sido motivo de profunda decepção para os zelotas da Comissão Disciplinar da Liga, cujo único objectivo e razão de ser, conforme se tornou público e notório, é a perseguição disciplinar aos jogadores do FC Porto. Sem portistas para castigar, o CD enterrou os célebres «sumaríssimos» — que desempenharam um papel não despiciendo na decisão do título da época passada — e os seus distintíssimos juízes emigraram para parte incerta. Mas esta semana ressuscitaram do seu exílio, para castigar uma pisadela do Ricardo Quaresma que o árbitro de Alvalade não viu. Pasme-se: só à 30.ª jornada do Campeonato é que o CD encontrou matéria para um sumaríssimo e, ó coincidência extraordinária, logo contra um jogador do FC Porto!
Muito inteligentemente, a direcção do FC Porto resolveu nem contestar o dito «sumaríssimo», não fosse a contestação ajudar a cumprir o objectivo oculto, que era o de tirar o Quaresma da final da Taça. E contestar para quê, quando está mais do que cristalinamente claro para que serve, que objectivos cumpre e que falta absoluta de pudor e de vergonha tem este órgão da Liga, escolhido por Valentim Loureiro e Luís Filipe Vieira? O simples facto de ele continuar a existir com esta composição e esta transparência de intenções cobre de vergonha os seus mandantes e mostra até que ponto, realmente, os títulos conquistados pelo FC Porto são bem mais difíceis de obter do que os dos outros.
5. Se porventura, em lugar do Jorginho, tem sido o Liedson a marcar a oito minutos do fim em Alvalade, Co Adriaanse era um falhado. Assim, parece que recolhe a unanimidade dos elogios. Um jornalista do Correio da Manhã telefona-me para o Brasil, para saber se quero rever as minhas opiniões sobre o treinador do FC Porto. É verdade que por aqui o vento sopra fraco, o que menos me inspira à função de cata-vento. A seu tempo, isto é, no final da estação, direi o que penso sobre o assunto. Sopre o vento de onde soprar.»