MST: Diga vinte e um
«1. Aqui há umas duas décadas, faltavam ao FC Porto cerca de vinte títulos de campeão para atingir a marca do Benfica, e uns dez para atingir a do Sporting. Com este 21º título, o FC Porto já leva três de avanço sobre o Sporting e já só está a dez do Benfica — já faltou muito mais! Este foi, porém, de todos os títulos de que me lembro, aquele que menos entusiasmo me causou. Primeiro, porque era esperado, quase obrigatório, face à imensa diferença de qualidade em quantidade entre a equipa portista e os rivais directos; depois, porque à semelhança da época passada, foi um campeonato mal jogado, em que o FC Porto foi apenas o menos mau de todos e o mais sólido na hora da verdade. Onze vitórias por 1-0, entre as 23 arrecadadas até aqui, dizem muito sobre a forma como o FC Porto chegou a este título: foi superior, mas apenas quanto baste e nada ou quase nada nos jogos com os rivais directos — um empate, uma vitória e duas derrotas.
2. O jogo do parto do novo campeão foi um retrato fiel deste estranho FC Porto, no modelo de jogo que Co Adriaanse lhe impôs para o último terço do campeonato: muita posse de bola, grande caudal ofensivo, instalação permanente no meio campo adversário, uma paradoxal segurança defensiva e, depois, uma confrangedora incapacidade ou de criar oportunidades de golo, ou de as concretizar. Contra o último da tabela, o FC Porto criou, como lhe competia, umas cinco ou seis opurtunidades claras de golo, mas apenas lá chegou através de um penalty — o segundo de todo o campeonato e talvez a única decisão favorável e determinante da arbitragem de que dispôs em toda a época. Chega a ser enervante ver jogar esta equipa que tanto prometeu na pré-época: não se percebe, de facto, o que falta para que os centros do Quaresma sejam aproveitados como merecem, para que o Mccarthy deixe de apontar às traves, o Hugo Almeida deixe de cabeçear todas as bolas para fora, alguém consiga acertar com um livre na baliza. Em teoria, aquilo está tudo certo — o sistema, o andamento, a atitude. Mas depois não funciona, excepto na defesa e muito por mérito desse extraordinário jogador que se está a afirmar como merece, chamado Pepe (obrigado, mais uma vez, José Mourinho!).
3. Já disse que uma das qualidades que eu reconheço sem dificuldade alguma a Co Adriaanse foi a de transformar uma equipa e uma mentalidade de jogo de quase-sarrafeiros, na equipa mais disciplinada e que mais «limpo» joga no futebol português. Esta semana Adriaanse voltou a revelar outra das suas qualidades, tal como aquela, habitualmente arredada do discurso dos treinadores e dirigentes do futebol português. Disse ele que em Portugal todos se preocupam demasiado com as arbitragens e muito pouco com o espectáculo. De vez em quando há alguém que diz o mesmo, mas Adriaanse tem a autoridade de nunca se lhe ter ouvido uma só queixa contra a arbitragem em todo o campeonato: haverá algum treinador da 1.ª Liga que possa dizer o mesmo? Último exemplo em data: o Sporting precisava de vencer em casa uma Naval aflita e desfalcadíssima: jogou apenas 15-20 minutos de ataque convincente e criou não mais de três ou quatro oportunidades, contra duas do adversário. Ao entrar-se na segunda parte, tornou-se evidente que a «táctica» — orquestrada das bancadas para o campo, como é habitual ali — passou a ser a de chegar ao golo através de penalty. Foram quatro ou cinco os reclamados, por tudo e por nada e com o apoio militante dos comentadores da Sport TV (também já um «clássico»). Contas feitas, porém, houve apenas um lance, que não há a certeza se fora ou dentro da área, e em que dois jogadores se agarram à vez, terminando com a queda do jogador do Sporting e que talvez, talvez, se possa considerar penalty. Mas foi um lance completamente fortuito, que não resultou de qualquer ataque perigoso ou de jogada que o justificasse. Foi quanto bastou para que, pela enésima vez, treinador e dirigentes sportinguistas lá viessem com a ladainha do costume de que só não ganharam por causa do árbitro e que há suspeitas de que alguém lhes quer tirar o segundo lugar para o dar ao Benfica. E, no final, lá estava o repórter da Sport TV a iniciar a entrevista a Paulo Bento, não com uma pergunta, mas com uma opinião: «O Sporting, que tem razões de queixa da arbitragem...». Porque não lhe perguntou antes se o Sporting só conseguia vencer a Naval em casa de penalty? E se ele achava que era um eventual ✒ penalty não assinalado que podia justificar uma exibição tão falhada? Mas é este tipo de jornalismo, que vive obcecantemente à procura do «caso» de arbitragem, preferindo acirrar a polémica permanente do que defender o espectáculo, que contribui decisivamente para o clima de desresponsabilização onde sempre encontram conforto e desculpa os fracos e os falhados.
4. Mudam-se os tempos, muda-se a classificação, mudam os suspeitos — quanto mais não seja, para dar folga ao «suspeito do costume». Luís Filipe Vieira, agora o alvo das suspeitas sportinguistas, fez saber, por seu lado (não é para valer, mas faz de conta...), que só se recandidata se avançar o processo «Apito Dourado» e se «houver uma limpeza no futebol português». E esta atitude, como sempre, é apresentada como uma coisa muito digna e louvável, da parte do presidente do Benfica. Mas porque é que ninguém lhe lembra que o principal arguido no «Apito Dourado» é precisamente o homem que ele escolheu como parceiro estratégico para «limpar o futebol português»? E porque é que ninguém lhe lembra que a estrutura que precisa de ser «limpa» é precisamente aquela que ele montou, a meias com Valentim Loureiro, na Liga e nas suas comissões de Arbitragem e Disciplinar — e cuja conquista, recorde-se, ele afirmou ser essencial para que o Benfica pudesse voltar a ser campeão, como foi no ano passado e nas circunstâncias em que o foi? Melhor do que esta só mesmo o sr. Stanley Ho a recomendar aos jogadores que sejam prudentes nos seus casinos...
5. Previ aqui há tempos que o Vitória de Guimarães — um clube pelo qual sempre tive simpatia — desceria esta época. E desceria pela simples razão de que joga, talvez, o pior e mais ineficiente futebol que eu vi jogar neste campeonato. Mas depois dessa previsão, o Vitória começou a recuperar devagarinho e surgiu a hipótese da salvação no último jogo ou no último minuto. Mas não creio que venha a haver milagre: não acredito que o FC Porto ou Adriaanse se disponham a facilitar no domingo e, depois disso, já não haverá margem de salvação. Lamento dizê-lo, até porque os seus adeptos não mereciam de forma alguma tal sorte, mas a descida é merecida. Não vale a pena, aqui também, inventar cabalas e conspirações. Nem tudo o que parece não o é: e a mim parece-me que o Vitória nunca mostrou futebol para a 1.ª Liga.»