113 anos de história

Liga dos Campeões é para homens
Os jornais de ontem têm todos razão. Com que fundamento havemos de ser compreensivos, se o que distancia FC Porto/Benfica de Arsenal/Manchester é apenas o orçamento, a qualidade de um bom número de jogadores, a experiência individual acumulada em muitas e muitas épocas de Liga dos Campeões, a estabilidade dos planteis e as dezenas de títulos que Wenger e Ferguson somam em conjunto? Hein? As derrotas de terça-feira foram normais. Nisso, Jesualdo Ferreira está certo. Não é anormal que Lucho, Paulo Assunção, Cech ou Pepe encontrem nestas equipas artistas melhores do que eles. Anormal é que Lucho, Assunção, Cech ou Pepe lhes estendam a passadeira, descendo eles próprios uns poucos degraus, a titubear e a largar pinguinhas na roupa interior. Só por isso, o jogo de anteontem – que não a derrota – não foi normal. E nunca poderia ter sido normal, ainda assim, a partir do instante em que Jesualdo anormalizou o onze, aos três sectores de uma vez. Nenhum escapou. Não estou a dizer que fez mal ou bem; constato a anormalidade que veio antes do resultado normal. Jesualdo está sempre defendido. É o quarto treinador seguido a levar com a delicadeza excessiva dos jogadores nas duas primeiras jornadas da Liga dos Campeões. O outro ponto comum a essas quatro equipas era a ignorância maioritária de quase todos os elementos a respeito das particularidades reais da principal prova de clubes do Mundo. No caso de Adriaanse e de Jesualdo, treinadores incluídos. Pode nem ter a ver com táctica. Talvez seja só uma questão de aprender nestas poucas semanas o que se diz ao Pepe antes de o pôr diante de um Henry qualquer. “Tem muito cuidado com ele” ou “quem é esse gajo à tua beira?”
«1. Parece que Scolari, ou Madail, ou alguém da «família da Selecção», não gosta da forma excessivamente livre ou independente do jornalista da RTP Carlos Daniel relatar e comentar os jogos da Selecção (suponho que não se possa dizer, por exemplo, que o Ricardo sofreu três golos por entre as pernas, contra a Dinamarca, porque o Ricardo é o melhor guarda-redes do mundo e está acima de qualquer critica). Parece que também não gostam do programa da RTP «Trio de Ataque», apresentado igualmente por Carlos Daniel e que é, a milhas de distância, o melhor programa do género na televisão portuguesa, em que três homens cultos, inteligentes e independentes, falam livremente sobre futebol sem ter de falar «futobolês» nem prestar vassalagem aos senhores feudais do nosso futebol. Demasiados contras para certas sensibilidades, saudosas dos tempos em que Suas Excelências falavam e os outros calavam e obedeciam. Vai daí, e ao contrário do que foi oficialmente desmentido, a Federação pressionou a RTP (que tem o exclusivo da transmissão dos jogos da Selecção), e a RTP calou o Carlos Daniel, sem lhe dar sequer conhecimento prévio. Deve ser agora uma questão de tempo até calar também o «Trio de Ataque». Eis-nos de volta aos bons velhos tempos da «Pátria somos nós» — para utilizar o ridículo título do «livro» daquele pobre pateta chamado Afonso Melo, que, tendo-se prestado a tudo (fazer de «gauleuter» nas conferências de imprensa da Selecção, sabujar Scolari e insultar, a mando, os «anti-patrióticos críticos» da Selecção) conseguiu, mesmo assim, ver dispensados os seus obsequiosos serviços. Que fique estabelecido para todos os prudentes: a Selecção é sagrada, Madail é um génio, Scolari é infalível e a Pátria não se discute. Como dizia o outro.
2. Se fosse eu a escolher, o F.C. Porto entraria hoje no Estádio dos Emirates, contra o Arsenal, em 4x2x2x2, com a seguinte composição: Helton; Bosingwa, Bruno Alves, Pepe e Cech; Paulo Assunção e Raul Meireles; Lucho e Anderson; Quaresma e Lisandro. Mas, com esta ou outra escolha, confesso a minha falta de optimismo para este jogo. Em minha opinião, o FC Porto tem equipa que chegue e baste para Portugal, não a tem para a Europa — como se viu bem contra o CSKA. Esta equipa tem cinco grandes jogadores e um génio; depois, tem mais uns três jogadores razoáveis e todos os restantes são banais. É uma equipa desequilibrada, com falta de bons jogadores em lugares fulcrais e falta de um banco à altura. A este propósito, mais uma vez constato, e contesto, uma politica de aquisições (apesar de tudo, este ano, comedida, em comparação com os anos anteriores), em que se compram sete ou oito jogadores novos e nenhum deles é titular. Não seria melhor politica comprar só dois que fossem mesmo reforços? Por mais que Jesualdo Ferreira insista em contrariar a ideia de que a equipa está crescentemente dependente do génio e inspiração do miúdo Anderson (e nem ele pode fazer outra coisa...), a verdade é que, como ainda este fim-de-semana se viu, sem o Anderson em campo, o F.C. Porto pode estar horas a tentar marcar um golo a um Beira-Mar, sem o conseguir. Nas bancadas do Dragão comenta-se que o miúdo não vai ficar ali muito tempo, até porque o F.C. Porto já não terá nem metade do seu passe, tendo vendido recentemente 10% a um daqueles «empresários» que por lá parasitam. Não sei se será verdade ou não, mas obviamente não tenho grandes dúvidas que este génio que está a despontar na relva do Dragão não ficará lá tempo suficiente para chegarmos a ter saudades: está condenado a passar por nós como um cometa, em direcção ao céu infinito. Espero, ao menos, que, quando for vendido o que nos restar do seu passe, seja bem vendido e o dinheiro não sirva para ser desbaratado na compra de um cabaz de jogadores de segunda ou terceira linha.
3. Quando vi as imagens do presidente do Gil Vicente a ser levado em ombros na assembleia-geral do clube, vieram-me à memória idênticas imagens dos sócios do Benfica em êxtase com Vale e Azevedo, naquelas célebres assembleias-gerais com «jagunços» contratados para intimidarem os discordantes. Sabese como acabou Vale e Azevedo e os benefícios que trouxe ao Benfica. Esperem agora para ver o que António Fiúza vai fazer ao Gil, por teimosia e vaidade. Infelizmente, a democracia tem limitações: garante que a maioria elege quem quer, mas não garante que elege quem deve. Do clube e do seu presidente não tenho pena — escolheram a cama em que se quiseram deitar. Tenho pena é dos jogadores que irão para o desemprego, dos miúdos das escolas do clube que ficarão sem poder competir e da Câmara de Barcelos, que construiu um estádio novo, com dinheiros públicos, para o Gil Vicente e agora fica com mais um dos elefantes brancos do futebol em braços. Ainda há mais uma hipótese, a última, de haver juízo e sentido das realidades. Mas não sei se os advogados deixam e se o presidente não temerá perder protagonismo, recuando.
4. Não viram, não ouviram, não leram. Continuam todos em funções, sem sequer sentirem o incómodo de consciência ou a reacção de pudor de prestarem explicações públicas. Como se nada se tivesse passado, acobertados atrás da tal «legitimidade democrática». O que distingue um cavalheiro dos demais é que ele não precisa de ir a votos para ser sério, nem precisa dos votos para poder não ser sério: ou é ou não é. E o que mais falta no nosso futebol são cavalheiros: gente de honra, de palavra e de vergonha.»
«1. Como já se percebeu, em termos penais, o Apito Dourado vai dar em nada: vai dar em apito encalhado, como eu escrevi logo de início. Uma vez mais, sucedeu o que já se vem tornando uma regra nos chamados processos mediáticos: a justiça avança com todo o espalhafato possível, querendo mostrar ao pagode que não recua perante os poderosos. Escudados no secretismo das investigações e no desconhecimento que os suspeitos têm sobre o valor real das suspeitas que sobre eles, os responsáveis pela instrução dos processos vivem dias de glória no seu papel de incorruptíveis justiceiros, tratando aos poucos de ir promovendo a condenação dos seus alvos junto da opinião pública, através de judiciosas fugas de informação - mais tarde investigadas pelo senhor Procurador-Geral da República, sempre para concluir que não há responsáveis, apenas os irresponsáveis dos jornalistas. Assim se vão consumindo os suspeitos em lume brando, sem possibilidade efectiva de defesa e tidos já como bandidos aos olhos da opinião pública. Mas eis que chega o momento da verdade: a instrução chega ao fim e entram em cena os advogados de defesa e os mestres especializados em vendas de pareceres jurídicos. Em breve se conclui que não há matéria efectiva para condenação em juízo e os processos são arquivados, sem que as pessoas percebam como. E este o destino mais do que provável do Apito Dourado.
Mas sobra, entretanto, o foro desportivo-disciplinar. Se as escutas não são válidas ou suficientes para obter uma condenação criminal dos implicados, ou se as provas recolhidas nada provam, resta que há, no que vem sendo divulgado, matéria mais do que suficiente para acusar disciplinarmente todos os implicados nas escutas e varrê-los a todos, sem excepção, iniciando uma vasta operação de higiene e limpeza, verdadeiro acto refundador do futebol português. Mas, como é óbvio, tal operação não será nem poderá ser levada a cabo pelos órgãos da Liga e da Federação actualmente em funções e que são, eles próprios, os principais implicados nesta geral porcaria.
Pelo que, sugiro medidas de excepção: que o governo tome posse administrativa da Liga e da Federação, que as regenere se for possível, que as extinga se for inevitável, mas que, nomeando gente séria e fora do futebol, instrua os processos que forem necessários e corra com todos os implicados de uma vez para sempre: dirigentes associativos, dirigentes de clubes, agentes, árbitros, treinadores e intermediários.
O que não é possível é continuar a escutar o silêncio ensurdecedor deste bando de cavalheiros e continuar a vê-los, impávidos, em funções, como se nada tivesse sucedido e nada tivéssemos sabido. A ver se o pau vai e vem e as costas folgam.
2. Agora, o futebol, propriamente dito. O Sporting pagou o preço da sua brilhante vitória sobre o Inter e da falta de maturidade competitiva da sua jovem equipa - tal qual como José Mourinho tinha previsto que poderia suceder e como Paulo Bento tinha também avisadamente temido. É verdade que perdeu contra o Paços de Ferreira com um golo falso e irregular, mas no jogo anterior tinha também ganho com um golo irregular. Contas feitas, perdeu um ponto em Alvalade e ganhou dois na Madeira: o saldo ainda é positivo.
O Benfica ganhou como habitualmente, quando ganha: sem talento e sem garra. Na Dinamarca, jogando para a Champions contra uma equipa menor, Fernando Santos cometeu o erro de declarar previamente que o empate já não era mau. E os jogadores tomaram-no à letra, com uma exibição confrangedora de falta de ambição e coragem. Ficaram todos muito aliviados por não terem perdido, mas, ou muito me engano, ou vão pagar caro este empate.
O FC Porto de Jesualdo vai em três vitórias tranquilas nos três jogos feitos para o campeonato e um empate comprometedor no mais importante dos desafios: o da Champions, contra o CSKA. Teve azar neste jogo, desperdiçando suficientes oportunidades para ter ganho, mas não disfarçou nunca a falta que faz McCarthy ou um ponta-de-lança para jogos a sério, e deu sempre a sensação de ser uma equipa vulgar arrastada por um génio, o miúdo Anderson.
A meu ver, Jesualdo Ferreira é um homem sério, inteligente e que sabe de futebol. Gosto da atitude dele fora do campo, incluindo o mau humor que lhe atribuem. Mas falta-lhe o teste de fogo de ganhar com um grande. E, quando digo ganhar, não é ganhar o campeonato nacional, porque isso qualquer um pode conseguir à frente do FC Porto. Ganhar é ganhar o respeito da Europa, ultrapassar a fase de grupos da Champions, pôr a equipa a jogar um futebol que leve gente ao estádio, estar atento aos novos valores e dar à equipa uma verdadeira atitude de campeão. Compreendo e acho inteiramente legítimo que ele ainda esteja na fase de conhecer os jogadores e só por isso não é urgente tentar dizer-lhe desde já que, por exemplo, ele não vai a lado nenhum na Europa com o Bruno Alves a central e o Hélder Postiga na frente: a seu tempo, sem dúvida que o perceberá por si. Para já, o mais preocupante é a estranha onda de lesões que já pôs no estaleiro jogadores importantes como o Pedro Emanuel, o Ibson, o Raul Meireles ou o Bruno Moraes, e a extrema dificuldade, que já vem de Adriaanse, de a equipa conseguir chegar ao golo contra adversários que se fecham e defendem bem.
3. Jogo após jogo, vou cimentando a minha opinião, manifestada logo após o primeiro jogo que lhe vi fazer: este gauchinho do Anderson, a menos que alguma coisa de muito má e muito estranha lhe aconteça, está destinado a vir a ser um dos melhores jogadores do Mundo, não tarda nem um par de anos. E, se dúvidas houvesse, aí está já o baile dos vampiros voando sobre a sua cabeça para ficarmos esclarecidos. E lá vamos nós, portistas, viver a habitual saga que já conhecemos do Jorge Andrade, do Ricardo Carvalho, do McCarthy ou do Deco: cada vez que há um fora de série na equipa, ninguém nos dá tréguas, no desejo expresso de o ver rapidamente pelas costas, exportado à primeira oferta. Mas, neste caso, ficaria bem um pouco de pudor: o miúdo tem só 18 anos, chegou há apenas um ano e foi preciso esperar seis meses para que começasse a jogar. Dêem-lhe ao menos tempo de aquecer a camisola e não o queiram ensinar já a transformar-se num mercenário!»
«Há mais de ano e meio que uma vasta legião de jornalistas, comentadores e dirigentes desportivos vivem agarrados ao Apito Dourado como bóia de salvação capaz de lhes trazer, servida numa bandeja, a única conclusão e a única "verdade" que ansiosamente esperam: a "prova" de que a hegemonia do FC Porto, nas últimas duas décadas do futebol português, tem uma única razão de ser - a compra dos árbitros, É por isso, segundo o seu esperançoso discurso, que o FC Porto ganha bem mais e mais vezes que os seus rivais do sul.
Em vão lhes foram constante mente fornecidos motivos de reflexão para outras razões possíveis, que eles desprezaram sempre, porque reconhecer o mérito alheio seria reconhecer o demérito próprio. Foi e é inútil argumentar com outro tipo de razões lógicas. Por exemplo, que se os árbitros (e, aparentemente, todos eles) se dispõem a vender os seus bons ofícios ao FC Porto, é natural que também o façam com os outros clubes. Por exemplo, que é difícil de perceber como é que um clube que só ganha internamente graças a batota, conseguiu ser, no espaço de dezasseis anos, duas vezes campeão da Europa e do Mundo, juntando ainda uma Taça UEFA e uma Supertaça Europeia ao rol dos seus triunfos internacionais. Por exemplo, que é difícil aceitar a batota como única razão para a supremacia portista, quando, uns após outros, jogadores e técnicos, portugueses e estrangeiros, que ,têm passado pelo FC Porto são unânimes em elogiar a sua superior organização, profissionalismo e atitude competitiva, em comparação com os seus rivais. Ou, por exemplo, que é difícil .perceber como é que o FC Porto conseguiria exercer tão duradouramente tal poder subterrâneo, quando há vários anos se encontra afastado de todos os órgãos de decisão que integram a Liga de Clubes e a Federação Portuguesa de Futebol - que são os órgãos onde se decide as nomeações de árbitros, as suas classificações e punições disciplinares. Enfim, como é que alguém de boa-fé pode sustentar que é por batota que o FC Porto ganha e os outros não, quando todos temos, semanalmente, acesso a todos os jogos dos "grandes" e o que vemos é demasiado evidente para poder ser explicado por "razões ocultas". Depois de ver jogar o Benfica no Bessa, este sábado, alguém acredita que é por falta de "transparência" e de "rigor" que o Benfica é a desilusão continuada que tem sido?Alguém se lembra quando foi o último ano que o Benfica teve uma equipe de categoria, a jogar um futebol de categoria?
A muita gente, incapaz ou incompetente, que tem dirigido os destinos do Benfica e do Sporting dava muito jeito convencer o pagode que só razões extrafutebol é que explicam os seus fracassos e os sucessos portistas. O Apito Dourado - um processo mal instruído e mal amanhado desde o início, construído mais para os jornais do que para os tribunais, como é hábito entre nós - foi a tábua de salvação a que se agarraram para provar a sua razão. E, mesmo quando os primeiros indícios recolhidos e as primeiras fugas do processo começaram a revelar, sem margem para dúvidas, que o grande implicado do processo era o sócio benfiquista na Liga, o major Valentim Loureiro, as esforçadas almas benfiquistas não pararam de alimentar a lenda e a "verdade" de que tudo se resumia às tropelias de Pinto da Costa e do FC Porto.
Para não dizerem que não disse, anotem bem que eu não considero nem normal, nem aceitável que se corresponda ao pedido de um árbitro que queria os serviços de uma prostituta ou que o presidente de um clube receba em sua casa, para um "cafezinho", um árbitro que daí a dias vai dirigir um jogo do seu clube. Penso que ambas as coisa deveriam ser investigadas e punidas, no foro disciplinar, mesmo que arquivadas no foro criminal, como foram, embora também não possa presumir a má-fé de Pinto da Costa, quando disse em depoimento que a visita do árbitro a sua casa foi inconveniente e não desejada por si, e embora também não seja tão ingénuo que não saiba ou não desconfie que os serviços sexuais aos árbitros ou as jantaradas de mariscos em restaurantes são urna prática habitual e disseminada por todos os clubes. Mas se os processos contra o FC Porto foram arquivados pelo Ministério Público é porque desde o início, como aqui escrevi, não se fez prova de duas coisas essenciais: nexo de causalidade e o móbil do suposto "crime". Ou seja, não se provou, antes pelo contrário, que aqueles árbitros tivessem beneficiado o FC Porto naqueles jogos. E, como era evidente, entendeu-se que era impossível demonstrar em tribunal, apenas com base na opinião dos benfiquistas ou sportinguistas, que o FC Porto de 2003-4, que era de longe a melhor equipa portuguesa de então, que jogava um futebol de encher o olho, treinada pelo melhor treinador português de sempre, que viria a ganhar o campeonato com mais de dez pontos de avanço sobre os seus rivais imediatos e viria a ser campeã da Europa, precisava de subornar os árbitros para ganhar em casa ao Estrela da Amadora ou fora ao Beira-Mar. Mas foi essa lenda que se alimentou durante ano e meio, através de "fugas" criteriosas do processo e extractos seleccionados das escutas telefónicas.
Sempre me perguntei porque é que ninguém falava de outros clubes e outras épocas, ainda mais recentes e pertinentes - como a época de 2004-5, em que o Benfica, sem jogar absolutamente nada, conseguiu ser campeão e entrar para o Guiness, através da proeza de, nos últimos dez jogos da época, marcar golos sempre e exclusivamente de "penalty" ou de livre à entrada da área, quase todos duvidosos e alguns escandalosos.
Mas eis que rebenta uma súbita zanga de comadres entre os sócios da Liga. Com Valentim Loureiro a negociar a sua própria sucessão na Liga, de forma a ficar com um pé dentro e o Benfica com os dois fora, a sociedade Benfica-Boavista estilhaçou-se e a mostarda subiu ao nariz do presidente do Benfica, e com razão. E, vai daí, começou ele a falar, dia sim, dia sim, do Apito Dourado, até que o Diário de Notícias de quarta-feira escarrapachava as escutas feitas à família Loureiro - cujo teor, não sendo logo integralmente desmentido, justificaria, se houvesse um pingo de vergonha, que eles se demitissem de todos os cargos que exercem nas horas seguintes.
E, sexta-feira, no Público, veio a vingança, Luís Filipe Vieira apanhado por tabela numa escuta feita a Valentim Loureiro, a escolher, sem pudor, o árbitro para uma meia-final da Taça e a dizer coisas tão sugestivas como "não quero mais esquemas nem quero falar muito" ou "não me quero chatear com isto porque eu estou a fazer isto por outro lado". Enfim, como ele próprio disse sem se rir, uma conversa que "revela o estado de espírito de um homem que pugna pela transparência e pelo rigor".
Mas o mais irónico ainda, é que a seguir o Público revelava uma conversa entre Pinto de Sousa e Pinto da Costa, que alguns bem intencionados se apressaram a declarar idêntica à conversa entre Loureiro e Vieira. Com estas diferençazinhas: enquanto Vieira recusava o árbitro indicado para o seu jogo, Pinto da Costa era confrontado com a recusa do árbitro por parte do adversário - o União de Leiria; enquanto que Vieira, a seguir, recusava mais quatro nomes indicados por Loureiro (nem ele nem a Liga tinham competência para escolher o árbitro dum jogo da Taça...) até aceitar o quinto, Pinto da Costa sugeria ao seu interlocutor um nome de consenso, a seguir propunha-lhe que escolhesse quem tivesse sido o melhor classificado e, finalmente, que escolhesse quem quisesse, que ele aceitaria qualquer um. E só para completar a história; nessa meia-final da faça de 2004, o FC Porto apanhou um dos dois árbitros que mais o prejudicam habitualmente e, na final contra o Benfica, apanhou o outro - e ganhou o Benfica, sem justiça alguma,
Pois é, o Apito Dourado transformou-se em "Apito Desgovernado" e agora apita em todas as direcções, E cada vez menos na direcção programada.»
As escutas do processo «Apito Dourado» revelam que o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, esteve envolvido directamente na escolha do árbitro do jogo das meias-finais da Taça de Portugal da época de 2003/2004 em que o Benfica ganhou ao Belenenses por 3-1, informa hoje o Público.
O jogo foi dirigido por João Ferreira, de Setúbal, depois de a sua escolha ter sido negociada entre Valentim Loureiro e o presidente dos encarnados ao telefone.
Ao que o jornal apurou, nessa conversa, Luís Filipe Vieira queixou-se do facto de o árbitro nomeado para o jogo já não ser Paulo Paraty, conforme havia sido anunciado por Pinto de Sousa, na altura presidente do Conselho de Arbitragem da Federação, a um advogado com ligações ao Benfica.
O Público refere que a discussão foi acesa, com Valentim Loureiro a esforçar-se por apaziguar os ânimos do dirigente e sugerir-lhe nomes de árbitros para substituir Paraty.
Vieira acabou por recusar o nome de quatro internacionais. A solução acabou por ser João Ferreira, o árbitro que apita no sábado a estreia do Benfica na Liga, num jogo com o Boavista no Bessa.
«Parece óbvio que o Boavista não pode ceder ao raide lançado pelo FC Porto sobre o seu treinador. Ceder seria um sinal de fraqueza e submissão, para além de um problema criado a poucos dias de começar o campeonato — criado ao vizinho e herdado deste. E, se João Loureiro não pode ceder, Pinto da Costa não pode forçar, sob pena de transformar um problema interno numa crise externa. Mas estes raides dos grandes sobre os pequenos ou médios causam sempre mossa, seja qual for o desfecho: se sair para o FC Porto, Jesualdo Ferreira abre uma crise entre os dois clubes que demorará muito tempo a sarar; se ficar, tendo já dado mostras suficientes de que queria sair, dificilmente terá ambiente no Bessa — a menos que comece a ganhar tudo e não pare durante três meses. Para este imbróglio a solução é imprevisível e jamais será boa. Compreende-se a tentação do FC Porto relativamente a Jesualdo. É tarde de mais para buscar quem, vindo do estrangeiro, consiga pegar numa equipa de tal maneira marcada pelo sistema de jogo e estilo de condução de Co Adriaanse. A única solução de recurso nesta emergência é, de facto, procurar quem, em Portugal, conheça o FC Porto fabricado por Adriaanse e se disponha a fazer uma transição lenta, gradual e de bom senso. Facto é que pela segunda vez em três inícios de época o FC Porto vê-se sem treinador, à beira de começar o futebol a sério. E, desde que Mourinho saiu, há dois anos, vai avançar o quinto treinador, não já para continuar a sua herança, porque dela já não resta nada, mas para tentar recolocar os portistas no lugar que a categoria da equipa e o seu historial recente justificam.
Depois do disparate Del Neri, das soluções de emergência falhadas de Fernandez e Couceiro, depois da aventura vivida com Adriaanse, é mais do que tempo de a direcção do FC Porto acertar na escolha do treinador. Ou então talvez seja tempo para ensaiar uma experiência radical, de deixar tudo entregue a Rui Barros mais um bom preparador físico e pedir-lhes, simplesmente, que não compliquem o que é evidente. Para mim, pessoalmente, seria a ocasião para ensaiar uma teoria que há muito alimento: que, tirando casos excepcionais como José Mourinho, de treinadores que, de facto, acrescentam valor à equipe, na maioria dos casos os restantes só servem para complicar o que é fácil.
Veja-se o epifenómeno chamado Co Adriaanse, que Pinto da Costa prometia vir a ser treinador para muitos e bons anos. Desde o início que ele deu sinais de desequilíbrio, ao embirrar com o penteado de McCarthy ou o brinco de Quaresma: começou por implicar com o acessório, antes de se concentrar no essencial. E, quando o fez e começou a perder todos os jogos decisivos—como alguém já escreveu, jogando muito bem nos intervalos em que não sofria golos — decidiu-se pela fuga em frente, inventando o revolucionário sistema de 3x3x4, tão louvado pela crítica. O sistema era realmente atraente, assim como as suas promessas de espectáculo e golos. Simplesmente, o espectáculo revelou-se inócuo e os golos sumiram-se. Não fosse um inesperadíssimo golo de Jorginho em Alvalade, que valeu o campeonato, e o funeral teria sido retumbante. Este ano, longe de tentar perceber por que é que a equipa não marcava golos, apesar de ter tantos e tão bons alas e pontas-delança, longe de tentar perceber que escapara à morte apenas devido a um super-Pepe e a um incansável Paulo Assunção, que lhe salvaram a face e as ideias, ele resolveu não reforçar a defesa e livrar-se dos dois melhores pontas-de-lança que tinha — Hugo Almeida e McCarthy.
Por isso, agora o FC Porto não está apenas sem treinador e sem um ponta-de-lança de categoria: está também sem defesas-centrais e sem lateral-direito de raiz. Com a lesão de Pedro Emanuel, tudo agora repousa na capacidade de Pepe poder continuar a valer por dois durante toda a época: se ele por acaso se lesiona, tudo aquilo desaba lá atrás. Entretanto, o inteligentíssimo Adriaanse, que tudo sabia e que tinha sempre um culpado à mão para quem atirar as culpas das derrotas, mandou fora um naipe de jogadores como Leandro do Bonfim, Jorge Costa, Diego, McCarthy, Hugo Almeida e César Peixoto, e deixou em troca Sonkaya, Sektioui, Ezequias, João Paulo, Bruno Alves ou Diogo Valente, o único cuja aquisição parece ter alguma justificação.
Na hora da despedida (feita, como em tudo o resto, de forma abrupta e irresponsável), eu, que tanto o critiquei no passado, devo, todavia, reafirmar o que já várias referi como aquilo que ele trouxe de positivo. Primeiro, uma filosofia de futebol ofensivo e de espectáculo — que está certa, em teoria, mas que ele não mostrou ser capaz de levar à prática com resultados positivos; depois, uma disciplina, dentro e fora do campo, verdadeiramente inédita no futebol português — o FC Porto de Adriaanse jogava limpo, sem faltas, sem simulações, sem discussões com os árbitros. Possa quem vier a seguir aproveitar pelo menos esta parte da sua herança, esquecendo a parte má: a instabilidade que causava na equipa, a desumanidade com que por vezes tratava os jogadores, a incapacidade de ler o jogo de fora do campo e influenciá-lo e a sua tendência fatal para perder quase todos os jogos importantes. Desesperadamente, queremos agora alguém que seja normal, competente e ganhador. Alguém que perceba que está ao serviço da equipa e não esta ao serviço das suas teorias ou dos seus estados de alma.
PS — Com este texto dou por findo o período de reflexão que me atribuí. E, porque a reflexão não foi exactamente conclusiva, acho que não estou a trair nenhum segredo se disser que o regresso se deve exclusivamente à capacidade que o director de A BOLA, Vítor Serpa, teve para me convencer a fazê-lo.»
Fernando Gomes, administrador da SAD do FC Porto, foi eleito para o Board do Fórum de Clubes da UEFA, que reúne e representa os principais emblemas europeus junto da estrutura do organismo que tutela o futebol europeu. O FC Porto mantém assim a posição que ocupou durante os últimos dois triénios, saíndo até reforçado na sua representatividade, fruto da eleição directa, sinal claro da qualidade do trabalho desenvolvido nos últimos anos. Durante o próximo triénio (2006/09) o dirigente portista vai partilhar funções com Umberto Gandini, do Milan, Juan Laporta, do Barcelona, Peter Kenyon, do Chelsea, e Karl Heinz Rummenigge, do Bayern de Munique, este último na condição de presidente.in O Jogo 05/09/2006